sábado, 18 de maio de 2013

"TREM NOTURNO PARA LISBOA"- APRESENTADO POR THEREZA M.




Local : casa da Angela Banhos
Apresentadora: Thereza Christina Matos

Participantes: Advanir, Ana, Bia, Conceição, Eterna, Karla, Lara, Luciana, Luzimar, Marilena, Maria Célia, Marília, Regina , Rosete, Sylvia, Teresa Lírio, Thaís, Zezé
O Autor

Pascal Mercier é o pseudônimo literário usado pelo filósofo Peter Bieri. Nasceu em Berna em 1944 e até recentemente foi professor de Filosofia na Universidade de Berlim.
Filho da pequena burguesia, cedo decidiu que não queria para si o tipo de vida que os homens da casa levavam. O determinismo do almoço às 12h30 imposto pela fábrica o fez começar a refletir sobre a condição humana com apenas 12 anos, altura em que iniciou a leitura da História das religiões. "Nunca mais almocei a horas certas", afirma agora.
O seu percurso biográfico e profissional revela-se todo ele marcado por rupturas e deslocamentos: aos dezenove anos abandona a sua cidade natal, Berna, fugindo, como ele próprio explica, da «estreiteza suíça» e da «estreiteza da família».
Estuda Filosofia, Estudos Ingleses e Estudos Indianos em Londres e em Heidelberg; seguem-se anos de investigação em Berkeley e Harvard, e depois passa a lecionar em diferentes universidades alemãs, até se instalar em Berlim como professor da «Freie Universität» (Universidade Livre).
Foi co-fundador da unidade de investigação “Cognição e Cérebro”.
Eventualmente preocupado com a reação da comunidade universitária , Peter Bieri esconde a sua identidade atrás de um pseudônimo literário. Apenas em 1998, quando da publicação de O Afinador de Pianosque se seguiu ao seu romance de estréia O Silêncio de Perlmann (1995) é tornado público o verdadeiro nome do autor.
O ex-professor deixou Berna e vive atualmente em Berlim.


ENTREVISTA (Isabel Lucas)
Prefere ser tratado por Pascal, o pseudônimo, ou por Peter?                   
Peter. 
Porque escolheu então outro nome para assinar ficção?
Porque no início tive medo da rejeição. Ser professor de Filosofia numa universidade alemã e começar a escrever romances é perigoso.
Porquê?                   
 É considerado qualquer coisa baixa, pouco respeitável. Deixa-se de ser sério do ponto de vista acadêmico. Era como se a vida acadêmica não fosse suficiente para mim e eu tivesse de fazer mais qualquer coisa e as sanções podem ser severas. Quando se escreve um primeiro romance não estamos seguros de nós. Falta confiança, tememos ser magoados facilmente com reações negativas e queremos proteger-nos. Quis ver o que acontecia com o livro com uma certa distância. No segundo romance achei que devia revelar a minha identidade, mas psicologicamente falando, o nome Pascal passou a fazer parte de mim.
Este seu livro já vendeu mais de dois milhões de cópias no mundo. Começa com um professor de filosofia que muda de vida fascinado com uma mulher, com a sonoridade da música portuguesa. Foi a música da língua que o levou a escrever Comboio Noturno para Lisboa? 
Exatamente. No princípio fui motivado pelo som da língua, a melodia das frases. Flaubert, quando escreveu Madame Bovary, enviou uma carta importante a um amigo. Dizia que desejava não ter de ter um enredo e poder escrever um livro sobre nada, mostrando apenas a melodia e a poesia das palavras em francês. Quando li estas frases tive a sensação de que tinha descoberto o veículo para desenvolver os meus tópicos filosóficos: a solidão, a morte, a decepção, lealdade… É muito difícil escrever sobre estes tópicos. É preciso uma certa musicalidade. Achei que eu, suíço, criado na cidade de Berna, não conseguia ter estofo para fazer sair de mim as frases que saem da pena de Amadeu de Prado. Eu era muito pequeno e insignificante. Não é coqueteria. A solução era inventar uma personagem que pudesse dizer frases como aquelas e essa pessoa foi Amadeu de Prado. 
E porquê um português, escritor da resistência, para desenvolver essas idéias?
Sim. Porque havia Pessoa, o som da língua que adoro e lamento não ter tempo para a aprender a falar. E Lisboa como cidade que assenta perfeitamente em “Mundus” . É uma cidade lenta, com ares de século XIX, tirando os carros; um pouco decadente. Precisava ainda de um ditador para ter o tópico político da resistência no livro. Para se ter uma movimento de resistência é preciso haver um ditador e entre o ditador e aquele resistente queria que houvesse um conflito do tipo pai e filho, tinha de ser um ditador especial, com a imagem de paternidades. Não podia ser Franco, nem Hitler nem Mussolini.  Salazar era um tipo diferente de homem. Um intelectual, professor de economia, não era alguém que gostasse da brutalidade. Claro que cometeu atos brutais, mas nada como Hitler. Portanto foi Pessoa, o som da língua, Lisboa como cidade e o ditador certo. Tudo isto me levou a Portugal e a Lisboa. 
Fala muito do som da língua. A que soa a língua portuguesa?
É o shhhhhh, o ççççç (Pausa para pensar). É suave, terno, sedativo, que não seduz facilmente. Consigo ouvir a melodia do português durante todo o dia. Em minha casa tenho um canal de televisão português e consigo ouvir aquilo durante horas, ainda que muitas vezes não perceba nada. É como uma bela paisagem e entramos naquela paisagem e esquecemos tudo. 
Lê português?
           
 Leio. Não consigo falar, mas sei ler. É fácil. Não é fácil é ouvir porque vocês engolem as letras… E li o seu jornal (DN), que entra no meu livro (risos)
Também leu Pessoa em português?
       
     Sim. É o único escritor português que conheço realmente bem. Mas vou ler mais portugueses. Li traduções de António Lobo Antunes. Parece-me um escritor excêntrico e incrivelmente poético. Como Flaubert, gosta de escrever só para usar as palavras. Não precisa de enredo. Está muito perto dos poetas. Como dizia o Pessoa, a poesia é um canto sem música. Acho que a escrita de Lobo Antunes é assim. Um canto sem música. 
O livro está a ser adaptado ao cinema…
      
  É uma experiência terrível. Quero separar muito bem o livro do filme. Tenho muitas dúvidas de que consigam fazer um filme deste livro, mas os direitos foram vendidos… Eles mudaram as personagens, o enredo, a atmosfera, tudo…
Está mais próximo de “Mundus” ou de Prado?
De ambos. Sou uma pessoa muito aborrecida, vagarosa, que tem boa memória, sou trabalhador, disciplinado. Aí sou “Mundus”. Por outro lado, sou emotivo, rebelde, aventureiro, romântico, o Prado.
Se vivesse em Lisboa, que sítio escolhia?
Acho que no Bairro Alto, pelas ruas, as cores, a atmosfera. De preferência numa sala da qual se visse a água. A água é tão importante quanto o som ou os nomes. 
Entrevista publicada a 26 de Março de 2008 no Diário de Notícias

Crítica 1
 Trem Noturno Para Lisboa / Tobias Thiessen
Esse livro é daqueles que realmente possuem a capacidade de fazer você refletir sobre as questões contidas nele, mesmo tempos depois de ter terminado de lê-lo. A digestão das palavras do livro fica sendo feita por muito tempo ainda na tua cabeça.
Trem Noturno para Lisboa conta a história de um professor de línguas antigas, Raimundus Gregorius que através de situações inusitadas decide mudar de vida.
Podemos acompanhar como e porque esse professor de grego, latim e hebraico que levava uma vida pacata e pautada pela ordem em Berna, na Suíça, de repente, de uma hora para outra, desiste de tudo e como se fosse um detetive vai atrás do médico português Amadeu de Prado em Lisboa. Mundus se encanta com o livro "Um ouvires das palavras" que o português supostamente escreveu e vai em busca de mais sobre o autor. Nessa viagem até Lisboa e em busca do autor, ele conhece diversas pessoas e essas acabam o ajudando de uma forma ou de outra.
O leitor, no processo de leitura do livro, é levado a ler o livro dentro do livro e conhecer melhor esse angustiado português que por causa do seu pai virou médico e que combateu a ditadura de seu país assolado por Salazar. Percebe-se que tanto o professor suíço como o médico português são um alter-ego do professor de filosofia Peter Bieris, escritor do livro.
Eu particularmente gostei bastante de ler. Gosto da Europa e essa mistura de estilo alemão com a realidade portuguesa tem muito a ver comigo. O livro se conecta comigo, com a minha identidade e diversas questões que o livro provoca são em certo sentido também as minhas questões pessoais.
Lógico que o livro contém ressalvas, ou seja, fatos díficeis de se engolir. Como por exemplo: como o cara consegue em poucos dias, sem nunca ter tido contato direto com a língua portuguesa traduzir facilmente o livro dessa língua para o alemão? Mesmo o livro sendo cheio de questões filosóficas obscuras ele segue adiante na tradução do livro de Amadeu sem muitas dificuldades! E também, todos os personagens conseguem discutir temas profundos em inglês ou francês, apesar de não ser a língua mãe das pessoas. Como ele se entende tão bem com todas as pessoas com quem ele se encontra? Ou como Raimundus tem acesso tão fácil ao ex-liceu de Amadeu e pode montar o seu acampamento e o seu canto especial lá?
Mas como dizem por aí: so what?
Pelo que percebi a ideia do autor, não é em primeiro plano apresentar a história de Mundus, mas sim, apresentar os pensamentos de Amadeu. E é ele, Amadeu e não o professor suíço, a personagem principal do livro e que nos traz às reflexões que o livro se propõe.
Não é um livro que se lê assim, sem mais nem menos, também não fornece muitas cenas de suspense que te prendem e que te fazem avançar na leitura. Para se aproximar do livro e do seu conceito é necessário uma certa abertura e um vontade filosófica.
Ajuda, se você assim como Mundus, está cansado da tua vida, do jeito como ela é e/ou busca novos horizontes, nem que seja apenas na tua forma de pensar.
Em todos os casos, se você se interessou, recomendo a leitura.

Critica 2
Trem noturno para Lisboa

Aos 50, um pouco antes, um pouco depois, você às vezes sente vontade de desvestir-se de si mesmo, mergulhar num outro eu e cair na vida, de preferência em algum lugar do lado avesso do planeta!

Pode surgir de repente. Pode ter sido alimentado em segredo durante anos. Mas esse ímpeto, de alguma forma, parece fazer parte dessa etapa do caminho.


Mas contra todas as expectativas, é exatamente isso que decide fazer um dia Raymund Gregorius, um erudito enrustido mais do que típico professor de línguas antigas num colegio de Berna, na Alemanha, já nas primeiras linhas do romance Trem Noturno para Lisboa, de Pascal Mercier, codinome de Peter Bieri, também um professor, mas de Filosofia, e em Berlim.

A cena do encontro do professor cinquentão com a moça desesperada no meio de uma ponte, numa manhã chuvosa e a frase casual em português, cuja melodia dá o comando da extraordinária decisão, é tão plausível na sua absoluta impossibilidade que 'tomar o trem noturno para Lisboa' virou expressão comum em Portugal para designar esses momentos de "virada'.

Gregorius vai a Lisboa e mergulha literalmente na história de um outro, o médico português, Amadeu de Prado. Percorre as ruas e visita os lugares, encantado pela língua estrangeira e suas modulações afetivas, saudosas de um não sei o quê.

O livro não é novo, novidade é uma obra tão apoiada nas acrobacias do discurso ter vendido mais de 2 milhões de exemplares no mundo! As belas palavras são sereias.


Lembro do poema Ode Marítima, de Fernando Pessoa:

Ah, seja como for, seja para onde for, partir!
Largar por aí fora, pelas ondas, pelo perigo, pelo mar,
Ir para Longe, ir para Fora, para a Distância Abstrata,
Indefinidamente, pelas noites misteriosas e fundas,
Levado, como a poeira, pelos ventos, pelos vendavais!
Ir, ir, ir, ir de vez!
Todo o meu sangue raiva por asas!
Todo o meu corpo atira-se pra frente!
Galgo pela minha imaginação fora em torrentes!
Atropelo-me, rujo, precipito-me!.
Estoiram em espuma as minhas ânsias
E a minha carne é uma onda dando de encontro a rochedos!


Fiz certa vez um curso sobre "A Morte e o Morrer". Numa das palestras, a enfermeira insistia que é impossível morrer bem sem um acerto final de contas com a vida. Felizes os que conseguem partir com a sensação de "valeu!".    Partir é um chamamento poderoso demais para a gente fingir que não ouve: "Ir para Fora, ir para Longe, ir para a Distância Abstrata", assim mesmo, com as maiúsculas a sugerirem distâncias impossíveis de transpor.


Não custa nada abrir uma frestinha nas nossas bem organizadas defesas para deixar entrar a aventura, novas melodias, horizontes apenas adivinhados. Nem que seu 'trem noturno para Lisboa' seja uma passagem de ida e volta, num final de semana para uma cidade qualquer, desde que você não conheça e, sem reservas, sem vouchers, sem bagagem! Ou um ótimo livro para "galgar pela imaginação fora em torrentes'!


Critica 3
Trem Noturno para Lisboa - (Clube de Leitura Icaraí)
Dezesseis pessoas a bordo. Alguns passageiros novos que trouxeram contribuições muito interessantes. Outros passageiros retornaram após um longo período de ausência do Clube. Antes do início das discussões, houve algumas ponderações sobre participação virtual na escolha do livro do mês; que o período de um mês é muito pouco para lermos um livro, tornando as leituras apressadas ou não dando tempo para se ler a obra, e outras considerações bastante polêmicas. Cantamos, então, parabéns para nossa leitora fundadora do Clube nos idos de 1998 e começamos as discussões.
    Embora não podendo participar da reunião por ser um dos participantes virtuais de nosso Clube, as contribuições do nosso leitor de Campinas foram muito citadas na noite. O piano de Jorge, as variações de Goldberg, Estefânia, Maria João, os estados novos português e brasileiro, a tortura em João Eça, o trem como uma alegoria da vida, a intensa identificação de Gregorius e Amadeu, mesma idade dos dois na momento da busca de Gregorius, embora em tempo diferente, mesmo mal físico o “que pode ter sido resultado da profunda identificação”, a intenção de ainda voltar em Salamanca, as línguas antigas e o português, um latim moderno falado nas ruas que ofereceu ao protagonista a ponte para o despertar de sua vida, o evento da ponte que colocou Gregorius diante da questão da finitude da vida, a magia da chuva, da ponte, do encontro com a portuguesa misteriosa que nunca mais reaparece, mas que muda sua vida, etc.
Nada como outros pontos de vistas, de outros leitores, para nos ajudar a ler um livro e repensar nossa interpretação, nos estimulando a refletir sobre nós mesmos antes de concluir algo. 

As primeiras impressões da leitura do “Trem Noturno para Lisboa” não foram nada animadoras. Achava que o escritor suíço, para se distanciar de sua problemática pessoal, teria projetado suas questões em um personagem estrangeiro, no que essa palavra teria de mais remoto para ele, um português atormentado contra o qual ele poderia se sentir bem blindado para expor seu alter ego. E o narrador, meloso e mórbido ao mesmo tempo, parecia-me ser daquelas pessoas que grudam na gente obsessivamente, que tentam viver a nossa vida. Meio obsessivo, não?
   Muita coisa me incomodou no livro: a síndrome do protagonista que enfrenta qualquer oponente no jogo do xadrez, mas acha ridículo enfrentar a vida quando se tem tanto a enfrentar em si mesmo. O questionamento sobre como seriam as coisas se não fossem como são, de como podemos ser aquilo que não fazemos, etc.
Houve um momento da viagem em que, olhando pela janela, avistei “O Homem que Via o Trem Passar” (Georges Simenon) e invejei sua posição. Em outro momento da viagem descobri, enfim, por que não estava gostando do livro: eu me sentia perdendo a partida (o autor nos faz sentir que viver pode ser como se jogássemos uma partida de xadrez). Eu levava cheque-mate sobre cheque-mate, mas persisti na viagem, resistindo às tentações, sem descer nas estações intermediárias, que descobri também, depois, serem meras miragens, porque o trem nunca para nas estações. Lembro-me de ter alegado em uma das minhas postagens que o autor era muito cheio de arroubos, superlativos e adjetivos, mas... a viagem da vida não é assim?
Por diversas vezes ameacei pular do trem, estrebuchei, não parecia literatura aquela mania do autor de deixar tudo explicadinho. Houve quem me incentivasse a pular, talvez sensíveis ao incômodo que o culto à personalidade de um personagem que não conseguia superar seus complexos de culpa me causava (será que tenho problema com isso?).
   Segui o conselho do próprio Amadeu que afirma que devemos buscar as desilusões, continuei me iludindo que o livro poderia melhorar na próxima estação. Ou, quem sabe, no fundo estivesse buscando a desilusão final da última página do romance. O livro mexeu também com o meu lado comodista de sempre aceitar a vontade que não é a minha, minha síndrome do “seja feita a sua vontade”. Ao chegar ao fim dessa viagem devo reconhecer que o livro tem passagens geniais ao lado de outras horríveis, como a vida em geral. 
   E afinal, a vida é o que vivemos ou o que imaginamos viver? E parece, ela, a um jogo de xadrez?

 Critica 4
 Trem noturno para Lisboa
13/11/2012 -Crônicas, contos e textos semanais por Adriana Taets
Em qualquer resenha sobre o livro Trem noturno para Lisboa é possível saber que se trata da história de Gregorius, um professor de filologia de Berna que se apaixona pela sonoridade da palavra “português” e parte, então, para uma viagem rumo a Lisboa onde procura aprender essa nova língua.
Há dias terminei a leitura deste livro e desde então fico me rebatendo, tentando encontrar o que dizer sobre ele. O básico já foi dito em todos os lugares: se trata da história de um homem que abandona sua vida regrada num liceu de Berna e parte para o improvável em sua busca por uma nova língua.
O que mais, então, pode ser dito? Certa vez, um amigo antigo me falou, em voz baixa, que não se deve contar o seu poema favorito a ninguém. Seu poema favorito é o seu maior segredo. O que dizer então do livro que te tirou o conforto diário, te jogou na tempestade, arrancou as raízes calmas do cotidiano?
Não, eu não teria muito a dizer sobre Trem Noturno para Lisboa. A não ser que se é fisgado pelo livro no momento exato em que Gregorius se apaixona pela sonoridade da palavra “português” cantado pela voz de uma estrangeira desconhecido numa ponte de Berna. E isso acontece nas primeiras dez páginas. Da estrangeira que entregou essa bela palavra a Gregorius não sabemos mais nada, só a devastação que ela causou na vida dele. Depois deste encontro, Gregorius decide aprender português, vai até uma livraria e o livreiro lhe apresenta um livro nesta língua, de um médico de um livro só, Amadeu Prado. Gregorius, já apaixonado pela palavra português, se apaixona uma segunda vez por tudo aquilo que é dito no livro daquele autor desconhecido. Num impulso, ele abadona sua vida e parte para Lisboa, numa tentativa de conhecer esse médico que diz coisas sublimes num idioma sublime.
O livro nos leva, então, a conhecer diversos personagens. Adriana, Mariana, Mélodie, João Eça, Silveira, Jorge, Cecília, Maria João, Estefânia, todos eles acompanham, de algum modo, Gregorius em sua tentativa de conhecer a história de Amadeu.  Há uma semana terminei o livro e ainda me espanto com a vivacidade de cada um desses personagens na minha memória. Ainda me assusto com eles, com a profundidade com que são desenhados, é como se estivessem do outro lado da sala, me observando enquanto vou desvendando aquilo que eles sabem sobre Amadeu.
De todos os personagens, no entanto, é Amadeu, o médico das palavras de ouro, quem conduz toda a trama do livro. É por Amadeu que Gregorius modifica sua vida, avança, tropeça, muda, por fim. O livro possuiu três tramas narrativas: o livro de Amadeu, a língua portuguesa e o xadrez. Eles estão presentes em quase todas as páginas. Os personagens transitam por esses lugares, as conversas versam sobre os três temas. As escolhas são feitas a partir deles. As partidas de xadrez aparecem como um descanso na trama pesada, um alívio para a fumaça que é levantada em cada página. A língua portuguesa traz a beleza e a sonoridade da história, as últimas letras comidas, o chiado no final das palavras. E o livro de Amadeu, com seus questionamentos intermináveis, lança Gregorius e a nós, leitores, num redemoinho de perguntas e sensações e descobertas que nos levam quase ao torpor.
Entre um e outro tema encontramos ainda resquícios da ditadura de Salazar, mãos trêmulas após anos de tortura, desaparecidos, doentes, velhos moribundos, estratégias de combate, resistência entremeados na memória de agora e na memória de antes. Nenhuma página é escrita com ares de espetáculos, antes, cada evento – o de agora e o de antes – é narrado por palavras exatas, tranquilas de estarem no lugar exato onde deveriam, sem exagero nem excesso.
É tudo que posso falar sobre Trem Noturno para Lisboa. Todo o resto ainda está preso em mim, ou eu nele.
Esse livro que deveria trazer na capa um aviso: “CUIDADO, PRECIPÍCIO!”.


Critica 5
Mirian Leitão

Um livro para quem gosta de livros e das palavras. É assim o "Trem Noturno para Lisboa" de Pascal Mercier, na verdade o pseudônimo de Peter Bieri, professor de filosofia em Berlim.
Gregorius, um professor de linguas clássicas que de repente se apaixona pelo português, é o personagem principal. A paixão é pela sonoridade que está na própria palavra "português" e decide abandonar trinta anos de vida previsível e sair de Berna tomando o trem para Lisboa. Antes ele encontra um livro que conduz todo o livro, o de Amadeu do Prado, autor desconhecido de um livro só. Ao refazer os passos do autor e aprender português em Lisboa ele leva o leitor para vários mundos, inquietações, dúvidas e transcendências.
Sem ser uma história de ação ou suspense, o livro - ou os livros contidos nele - envolve completamente o leitor com a força do inesperado. Tudo é previsível e de certa forma imprevisível; tudo aconteceria naturalmente e é improvável. Depois de romper com a rotina que o aprisionou a vida inteira como o professor exemplar, Gregorius pode fazer qualquer coisa;  sua vida absolutamente sem rotina o leva a peregrinar pelos passos do autor admirado, enquanto ele vai analisando os trechos reveladores e apaixonantes do livro de Amadeu. Assim ele oferece ao leitor reflexões filosóficas e frases belíssimas.
Nos meus primeiros dias de férias tenho me dedicado a escrever. O delicioso ato de escrever sem o imediatismo do jornalismo. Nada contra o jornalismo, mas tenho me dedicado a fazer o inverso e o mesmo ofício que me apaixona. À noite, para descansar, li o Trem Noturno para Lisboa. Com Gregorius e Amadeu do Prado viajei conquistando também cada etapa da descoberta. O fim deixa fios soltos no ar levantando ainda mais dúvidas. Um livro, enfim, para quem gosta de pensar.
Publicado no Brasil pela Editora Record, no mundo já vendeu dois milhões de exemplares.

CURIOSIDADES
1 - Variações Goldberg
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

As Variações Goldberg formam um conjunto de variações para cravo compostas por Johann Sebastian Bach. Publicadas inicialmente em 1741 como o quarto volume da série Clavier-Übung ("Prática do Teclado") de Bach, a obra é considerada um dos mais importantes exemplos da forma variação.
Depois da exposição da ária no começo da peça, surgem trinta variações seguidas pela repetição da ária.
As Variações Goldberg eram tidas no passado como um exercício técnico árido e aborrecido. Hoje, entretanto, o conteúdo e a abrangência emocional da obra tem sido reconhecido e se tornou a peça favorita de muitos ouvintes de música erudita. As Variações são largamente executadas e gravadas e têm sido objeto de muitos artigos, livros e estudos analíticos

A história da criação das variações foi tirada da biografia de Bach escrita por Johann Nikolaus Forkel:
"(Quanto a essas variações), devemos agradecer à provocação do ex-embaixador russo na corte eleitoral da Saxônia, o conde Hermann Karl von Keyserling, que freqüentemente passava por Leipzig e que trouxe consigo o já mencionado Goldberg para receber orientações musicais de Bach. O conde tinha freqüentes acometimentos de doenças e ficava noites sem dormir. Em tais ocasiões, Goldberg, que vivia em sua casa, tinha que passar a noite na antecâmara para tocar para ele durante sua insônia. … Certa vez, o conde mencionou, na presença de Bach, que ele gostaria de ter algumas obras para teclado para Goldberg executar, que deveriam ser de caráter suave e algo vigoroso de modo que ele pudesse ser um pouco consolado por elas em suas noites sem dormir. Bach imaginou que a melhor maneira de atender a esse desejo seria por meio de variações, cuja escrita ele considerava, até àquela data, uma tarefa ingrata devido ao fundamento harmônico repetidamente semelhante. Mas, uma vez que a essa época todos os seus trabalhos já eram padrões de arte, tais se tornaram, em suas mãos, estas variações. Mesmo assim, ele produziu um único trabalho desta espécie. Daí em diante, o conde sempre as chamava de "as suas" variações. Ele nunca se cansou delas e, por um longo período, noites sem dormir significavam: 'Caro Goldberg toque para mim uma de minhas variações'. Provavelmente Bach nunca foi tão bem recompensado por seu trabalho quanto foi neste. O conde o presenteou com um cálice de ouro com 100 luíses de ouro. Não obstante, mesmo que o presente tivesse sido mil vezes maior, seu valor artístico nunca teria sido pago."

Variações Goldberg e a “Divina Proporção”
Tese de Mestrado prova que se pode identificar a Proporção Áurea  ( a Divina Proporção )

Na cultura popular
As variações Goldberg de Johann Sebastian Bach é uma das obras mais conhecidas do compositor. Ocasionalmente aparecem em trabalhos da cultura popular.
. No contexto de uma cena particularmente aterrorizante de O Silêncio dos Inocentes, o Dr. Hannibal Lecter está a ouvir apaixonadamente uma gravação de Glenn Gould da ária com que começam e terminam as variações.
•                A mesma música é tocada nos créditos de abertura da seqüência do filme, Hannibal.
•                A ária foi tocada no filme O Paciente Inglês (1996).
•                A estrutura do filme "Trinta e Duas Curtas Metragens Sobre Glenn Gould" (1993) se baseou nas Variações Goldberg.


2 – Doença de Bechterev –

Espondilite Anquilosante – Espondiloartropatia seronegativa – Doença inflamatória crônica dolorosa e progressiva que atinge as articulações da coluna vertebral e, em especial , as inferiores( art. sacroilíacas e da região lombar) – Fator genético : HAL B27





Figura acima : Caso muito agressivo em evolução deixada livre , sem tratamento medicamentoso e fisioterápico .O prognóstico é bom se o programa de exercícios recomendado for iniciado precocemente e os medicamentos tomados quando necessários. A rigidez vertebral pode ser um problema, mas raramente é incapacitante.


3 - A Ditadura Salazarista em Portugal
                     Antônio de Oliveira Salazar foi a figura central do Estado Novo, ou seja, do Salazarismo em Portugal. Salazar foi Ministro da Fazenda e em 1932 tornou-se primeiro Ministro de Portugal, função durante a qual sustentou o país em regime ditatorial por 41 anos. Nesse período, Salazar adotou subitamente medidas em relação à economia portuguesa, acrescendo os tributos e condensando os gastos do Governo, com isso, suprimiu o saldo negativo financeiro existente no Estado. Essas ações renderam a Salazar influência e poder, tanto que ele conseguiu retirar dos militares a força que possuíam até aquele instante.

   
À frente do Governo, Salazar implantou uma nova Constituição em 1933 que constituiu o fim da Ditadura Militar e o começo da Ditadura Salazarista, essa atitude tinha como finalidade a mudança dos poderes políticos portugueses, e assim foi feito. Através da política salazarista observou-se quase de imediato a perda da liberdade de expressão, do direito à greve e à restrição da ação de alguns órgãos de poder, como a Assembléia Nacional. O poder do Presidente da República passou a ser figurativo. Nesse contexto, a autoridade estava concentrada nas mãos do Primeiro Ministro.

Algumas Características da Ditadura de Salazar:
      • A exaltação do líder, que está sempre certo nas tomadas de decisão;

      • A existência de um só partido, a União Nacional, partido do governo;

     • A Repressão através da política da Polícia Internacional de Defesa do Estado;

 • A Censura aos meios de comunicação social;

 • O Nacionalismo exacerbado;
 
• Criação da Mocidade Portuguesa: organização juvenil criada em 1936 com o intuito de orientar a juventude para os valores patrióticos e nacionalistas do Estado Novo. Observando que a inscrição era obrigatória entre os sete e os quatorzes anos;

 • O Resguardo dos valores morais e tradicionais;

 • Retirada de todo caráter reivindicatório dos trabalhadores através da política corporativista;

 • Publicação do Ato Colonial, no qual as Colônias Portuguesas existentes faziam parte integrante da Nação Portuguesa e por isso deveriam ser defendidas, civilizadas e colonizadas.

 • Política econômica protecionista que tinha por fim a redução das importações e aumento da produção do país e no investimento da construção de obras públicas.



                    O Salazarismo foi uma das mais longas ditaduras do século XX, inspiradas no modelo fascista. Durante este período Portugal viveu na censura, repressão e sob o poder autoritarista Salazarista. A ditadura chegou ao fim em 25 de Abril de 1974, derrubada pela Revolução dos Cravos, forte manifestação militar.
Por Lilian Maria Martins de Aguiar

4 – Fernando Pessoa –
(1988/1935 – 47 anos – cirrose hepática)

Ao contrário dos pseudônimos - vários nomes para uma mesma personalidade - os heterônimos constituem várias pessoas que habitam um único poeta. Cada um deles tem a sua própria biografia, sua temática poética singular e seu estilo específico. É como se eus fragmentados e múltiplos explodissem dentro do artista, gerando poesias totalmente diversas.
O próprio Fernando Pessoa explicou os seus heterônimos:
Por qualquer motivo temperamental que me não proponho analisar, nem importa que analise, construí dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribuí poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e idéias, os escreveria.
Assim têm estes poemas de Caeiro, os de Ricardo Reis e os de Álvaro de Campos que ser considerados. Não há que buscar em quaisquer deles idéias ou sentimentos meus, pois muitos deles exprimem idéias que não aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmente que os ler como estão, que é aliás como se deve ler.
Ricardo Reis  (médico)
Álvaro de Campos  (engenheiro)
Alberto Caeiro  (camponês)
Bernardo Soares (ajudante de guarda-livros)





quinta-feira, 4 de abril de 2013

"LEITE DERRAMADO"- APRESENTADO POR LUCIANA L.



AUTOR: CHICO BUARQUE DE HOLLANDA
Data: 04 abril 2013
Local: Casa da Luciana Leão

Apresentadora: Luciana Leão
Presenças:  Angela, Bia Coimbra, Luciana Leão, Maria Célia, Marília Leão, Regina Luz, Teresa Lírio, Rosete, Sylvia, Thereza Matos, Vera Correa




Apresentação

Sumário
1 – Sobre o Autor 2
Festivais de MPB. 2
Teatro. 2
A crítica à Ditadura. 3
Parceiros e Interpretes. 3
Literatura. 3
2 – Resenha do livro LEITE DERRAMADO.. 4
3 – Músicas com composição de Chico Buarque. 5
CONSTRUÇÃO.. 5
JOÃO E MARIA.. 6
IOLANDA –. 7
O QUE SERÁ.. 8
MINHA HISTÓRIA.. 9
APESAR DE VOCÊ.. 10
RODA VIVA.. 11
MULHERES DE ATENAS.. 12





Francisco Buarque de Hollanda, conhecido como Chico Buarque, nasceu no Rio de Janeiro em 19 de junho de 1944, é um músico, dramaturgo e escritor brasileiro. Filho de Sérgio Buarque de Holanda, um importante historiador e jornalista brasileiro e de Maria Amélia Cesário Alvim, pintora e pianista.

Casou-se com e separou-se da atriz Marieta Severo, com quem teve três filhas: Sílvia, que é atriz e casada com Chico Diaz, Helena, casada com o percussionista Carlinhos Brown e Luísa. É irmão das cantoras Miúcha, Ana de Hollanda e Cristina. Ao contrário do que tem sido propagado na internet, Aurélio Buarque era apenas um primo distante do pai de Chico.
Em 1946, passou a morar em São Paulo, onde o pai assumira a direção do Museu do Ipiranga. Sempre revelou interesses pela música - interesse que foi bastante reforçado pela convivência com intelectuais como Vinicius de Moraes e outros.
Em 1953, Sérgio Buarque de Holanda foi convidado para lecionar na Universidade de Roma, consequentemente, a família muda-se para a Itália. Chico torna-se trilíngue, na escola fala inglês, e nas ruas, italiano. Nessa época, suas primeiras "marchinhas de carnaval" são compostas, e, com as irmãs mais novas, Piiizinha, Cristina e Ana, encenadas.
De volta ao Brasil, produz suas primeiras crônicas. Chico Buarque chegou a ingressar no curso de Arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU) em 1963. Cursou dois anos e parou em 1965, quando começou a se dedicar à carreira artística.
Iniciou sua carreira na década de 1960, destacando-se em 1966, quando venceu, com a canção A Banda, o Festival de Música Popular Brasileira. Em 1969, com a crescente repressão da Ditadura Militar no Brasil, se auto exilou na Itália, tornando-se, ao retornar, um dos artistas mais ativos na crítica política e na luta pela democratização do Brasil.

Festivais de MPB


Conheceu Elis Regina, que havia vencido o Festival de Música Popular Brasileira (1965) com a canção Arrastão, mas a cantora acabou desistindo de gravá-lo devido à impaciência com a timidez do compositor. Chico Buarque revelou-se ao público brasileiro quando ganhou o mesmo Festival, no ano seguinte (1966), transmitido pela TV Record, com A Banda, interpretada por Nara Leão (empatou em primeiro lugar com Disparada, de Geraldo Vandré). No entanto, Zuza Homem de Mello, no livro A Era dos Festivais - Uma Parábola, revelou que a banda venceu o festival. O musicólogo preservou por décadas as folhas de votação do festival. Nelas, consta que a música da banda ganhou a competição por 7 a 5. Chico, ao perceber que ganharia, foi até o presidente da comissão e disse não aceitar a derrota de Disparada. Caso isso acontecesse, iria na mesma hora entregar o prêmio ao concorrente.
No festival de 1967 faria sucesso também com Roda Viva, interpretada por ele e pelo grupo MPB-4, amigos e intérpretes de muitas de suas canções. Em 1968 voltou a vencer outro Festival, o III Festival Internacional da Canção da TV Globo. Como compositor, em parceira com Tom Jobim, com a canção Sabiá. Mas desta vez a vitória foi contestada pelo público, que preferiu a canção que ficou em segundo lugar: Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré.

Teatro


Musicou as peças Morte e Vida Severina e o infantil Os Saltimbancos. Escreveu também várias peças de teatro, entre elas Roda Viva (proibida), Gota d'Água, Calabar (proibida) e Ópera do malandro.

A crítica à Ditadura


Ameaçado pelo Regime Militar no Brasil, esteve exilado na Itália em 1969, onde chegou a fazer espetáculos com Toquinho. Nessa época teve suas canções Apesar de você e Cálice censuradas pela censura brasileira. Adotou o pseudônimo de Julinho da Adelaide, com o qual compôs apenas três canções: "Milagre Brasileiro", "Acorda amor" e "Jorge Maravilha".
Ao voltar ao Brasil continuou com composições que denunciavam aspectos sociais, econômicos e culturais, como a célebre Construção ou a divertida Partido Alto. Apresentou-se com Caetano Veloso (que também foi exilado, mas na Inglaterra) e Maria Bethânia. Teve outra de suas músicas associada a críticas a um presidente do Brasil. Julinho da Adelaide, aliás, não era só um pseudônimo, mas sim a forma que o compositor encontrou para driblar a censura, então implacável ao perceber seu nome nos créditos de uma música. Para completar a farsa e dar-lhe ares de veracidade, Julinho da Adelaide chegou a ter cédula de identidade e até mesmo a conceder entrevista a um jornal da época.
Uma das canções de Chico Buarque que criticam a ditadura é uma carta em forma de música, uma carta musicada que ele fez em homenagem ao Augusto Boal, que vivia no exílio, quando o Brasil ainda vivia sob a ditadura militar. A canção se chama "Meu Caro Amigo" e foi dirigida a Boal, que na época estava exilado em Lisboa. A canção foi lançada originalmente num disco de título quase igual, chamado Meus Caros Amigos, do ano de 1976.

Parceiros e Interpretes


Desde muito jovem, conquistou reconhecimento de crítica e público tão logo os primeiros trabalhos foram apresentados. Ao longo da carreira foi parceiro como compositor e intérprete de vários dos maiores artistas da Música Popular Brasileira como Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Toquinho, Milton Nascimento e Caetano Veloso. Os parceiros mais constantes são Francis Hime e Edu Lobo. Como interpretes de suas canções temos: Oswaldo Montenegro, Elis Regina. Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Simone, Cauby Peixoto, Engenheiros do Havaí, Ângela Maria, Rolando Boldrin, Pena Branca e Xavantinho, entre outros.

Literatura


Chico Buarque sempre se destacou como cronista nos tempos de colégio; seu primeiro livro foi publicado em 1966, trazendo os manuscritos das primeiras composições e o conto Ulisses, e ainda uma crônica de Carlos Drummond de Andrade sobre A Banda. Em 1974, escreve a novela pecuária Fazenda modelo e, em 1979, Chapeuzinho Amarelo, um livro-poema para crianças. A bordo do Rui Barbosa foi escrito em 1963 ou 1964 e publicado em 1981. Em 1991, publica o romance Estorvo e, quatro anos depois, escreve o livro Benjamim. Em 2004, o romance Budapeste ganha o Prêmio Jabuti de melhor Livro de Ficção do ano. Em 2009, lança o livro Leite Derramado. Oficialmente, a vendagem mínima de seus livros é de 500 mil exemplares no Brasil.




Um ótimo livro narrado por um homem centenário que conta desde seus ancestrais até os dias de hoje relacionando também com os acontecimentos históricos no Brasil. Leite derramado significa o tempo perdido e irrecuperável da vida deste homem. É um romance poderoso sobre a história, a memória, a posse e o amor. O cenário da estória é a cidade do Rio de Janeiro. O livro nos apresenta a retrospectiva de vida do personagem principal, Eulálio d´Assumpção, que começa a sua história em cima de uma maca se dirigindo a enfermeira que o atende num hospital público, onde as pessoas ficam largadas nos corredores, retratando a real situação da saúde brasileira. Um velho senil que se perde entre o passado e o presente, confunde personagens da história, fatos e lugares. Com cem anos de idade, Eulálio de D´Assumpção ainda conserva o orgulho de pertencer a um tradicional tronco de famílias brasileiras. Seu bisavô teria chegado com a família real portuguesa. Na sua árvore genealógica figurariam grandes fortunas do império que teriam transitado pelos corredores do poder. O velhinho, apesar de arruinado, sem plano de saúde e morando em um quarto de favor em uma favela não se dá por vencido e ainda brada sua origem pelas repartições, tentando retornar o tempo perdido, o leite derramado. As pessoas não dão mais importância às tradições de famílias, principalmente as que não têm mais dinheiro. O autor retrata de forma bastante cáustica a decadência das grandes famílias e tenho a impressão de que ele faz um pouco de ironia a si mesmo. Todos sabem que os Buarque de Hollanda, vem de uma antiga linhagem pernambucana, com senadores no império como Hollanda Cavalcanti. Os Gonçalves Moreira, de sua avó paterna também vêm de uma linhagem que envolve tradicionais famílias mineiras e ramos paulistas. Sua mãe, também não fica atrás, com os Álvaro Alvin, uma antiga família mineira que controlou o poder político no estado. É possível que o Chico tenha ouvido durante toda a sua infância as velhas histórias dos seus antepassados, com suas glórias, poder, dinheiro e escravos. O livro, por seu turno, retrata o apego das velhas famílias aos valores tradicionais que tentam viver do passado e da pureza inexistente da “raça”, ignorando as mulheres índias e negras que ajudaram a compor a sua genealogia. A saga da família Assumpção acompanha a história do Brasil nos séculos XIX e XX, sendo neste último a decadência. Pessimista, o autor não somente empobreceu o personagem, como transformou os seus descendentes em marginais na sociedade moderna. De grandes importadores de armas, proprietários de terras e políticos influentes, foram parar na favela, vivendo do tráfico de cocaína. A saga dos Assumpção é a visão de futuro do autor, ao prever uma sociedade cada vez mais decadente, com valores conflitando com o crime organizado e a necessidade de sobrevivência.
Eulálio, e’ um velho moribundo que nas páginas vira menino inocente, jovem irresponsável, adulto ganancioso, sem nunca deixar de ser um homem apaixonado. Na história de seu amor perdido, ele perde também o poder, o dinheiro e a juventude. Há algo de melancolia no livro, uma constatação cabisbaixa que a vida não se satisfaz em nos tirar a forma do corpo, os fios de cabelo, o brilho da pele, a vida faz questão, às vezes, de, antes de ir embora, nos tirar a própria dignidade. A morte é o destino trágico de todas as vidas que, mesmo assim ou por isso mesmo, não precisam ser tão previsíveis e lineares. Podemos começar, terminar, recomeçar, parar no meio, voltar para outro ponto, como a memória caprichosa do velho personagem, como o texto perfeito de Chico Buarque. Cíclico, melancólico e irresistível como o próprio ato de viver.  O livro e’ de
se deleitar com as passagens cotidianas, com as traições e com as demonstrações de poderio da família que teve contato com a corte portuguesa, com o império brasileiro, com a república, com o senado, onde todos os Eulálios tiraram fotos de calças curta. Eulálio não sabe se o tataraneto é seu tataraneto, mas lhe ensinou o que sabia. Mas, sua filha acredita que não é ele seu bisneto. Ao longo da narrativa, Chico Buarque mostra as virtudes e, principalmente, os defeitos de uma família que já teve tudo, mas que hoje precisa sobreviver à base do dinheiro de um traficante ou da boa vontade de um pastor do subúrbio. Um ponto interessante do livro e’ que, além do fato do paciente ser um idoso, bastante vivido, alguns personagens, como sua esposa Matilde, tiveram diversos “finais”, o que faz o leitor não saber exatamente o que aconteceu com eles. Aí vem a parte da imaginação, e um livro que traz nossa imaginação à tona, contando fatos sem esclarecê-los com exatidão é sempre fantástico. Pois é… ficamos sem conseguir ter certeza do que realmente aconteceu em sua história. O único fato que fica claro é que ele era um nobre e sua família entrou em decadência. Nem mesmo temos certeza se as pessoas com as quais ele conversa estão a seu lado, vivas ou presentes. Agora, curioso é observar como, mesmo com a fortuna escassa, suas atitudes ainda são de quem possui algum bem ou nome a zelar. O livro consegue fazer isso com a sociedade: expô-la em seu mais profundo âmbito, fazendo o leitor transportar a história para seus dias atuais e ver que ela se encaixa, que a sociedade até pode evoluir, mas a essência humana ainda caminha em passos lentos rumo à sua melhoria. Resumindo: Leite Derramado e’ uma saga familiar caracterizada pela decadência social e econômica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos e é muito bom se esparramar nas suas páginas,  entremeando concomitantemente aos textos, os versos do Chico, pois temos a impressão foi de um livro musicalizado, onde além de ler, cantamos o livro.

CONSTRUÇÃO (1971) - Artisticamente impecável. Todas as frases da canção terminam com uma palavra proparoxítona de três sílabas. Essas palavras se alternam nas três partes da música, formando uma construção poética e musical de forte impacto. Como se não bastasse, é a história de um pedreiro que se achava importante demais em sua construção. Só que, ao cair da obra, ele morreu na contramão atrapalhando o sábado, grande lição sobre a relatividade da importância da própria vida. Coisa de gênio, sem dúvida. E fica ainda melhor agregada com Deus lhe Pague no final, relatando o desencarnar da alma do pobre coitado.
Construção
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague

JOÃO E MARIA (com Sivuca, 1977) - Agora eu era o herói, e o meu cavalo só falava inglês, cantava Chico e Nara Leão. A melodia medieval composta pelo Sivuca mede a exata sensibilidade de letra de Chico. Um casamento perfeito, como o daquelas duas crianças do enredo da história que brincavam de rei e rainha, contada pelo narrador relembrando os tempos de nostalgia perdida.
João e Maria
Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava o rock para as matinês
Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país
Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido
Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?

IOLANDA – Musica do cubano Pablo Milanés que ganhou interpretações em vários países. No Brasil a versão foi feita por Chico Buarque. O autor cubano, chateado por ter que viajar e se afastar da mulher e da filha recém-nascida, quando regressou trouxe na bagagem a letra e a melodia de uma explicita declaração de amor.
Iolanda
Esta canção não é mais que mais uma canção
Quem dera fosse uma declaração de amor
Romântica, sem procurar a justa forma
Do que lhe vem de forma assim tão caudalosa
Te amo,
te amo,
eternamente te amo
Se me faltares, nem por isso eu morro
Se é pra morrer, quero morrer contigo
Minha solidão se sente acompanhada
Por isso às vezes sei que necessito
Teu colo,
teu colo,
eternamente teu colo
Quando te vi, eu bem que estava certo
De que me sentiria descoberto
A minha pele vais despindo aos poucos
Me abres o peito quando me acumulas
De amores,
de amores,
eternamente de amores
Se alguma vez me sinto derrotado
Eu abro mão do sol de cada dia
Rezando o credo que tu me ensinaste
Olho teu rosto e digo à ventania
Iolanda, Iolanda, eternamente Iolanda

O QUE SERÁ (1976) - Para o filme Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto. É a música certa para crises existenciais, quando você fica triste por tudo de bom que poderia ter ocorrido nesse país, e que você sabe que não vai mais ocorrer. E mesmo o padre eterno que nunca foi lá, olhando aquele inferno vai abençoar. Cantada com o Milton Nascimento, o que faz dela ainda melhor.
O Que Será
O que será que será
Que andam suspirando
Pelas alcovas?
Que andam sussurrando
Em versos e trovas?
Que andam combinando
No breu das tocas?
Que anda nas cabeças,
Anda nas bocas?
Que andam acendendo
Velas nos becos?
Estão falando alto
Pelos botecos
E gritam nos mercados
Que com certeza
Está na natureza
Será, que será?
O que não tem certeza
Nem nunca terá!
O que não tem conserto
Nem nunca terá!
O que não tem tamanho...
O que será que Será?
Que vive nas ideias
Desses amantes
Que cantam os poetas
Mais delirantes
Que juram os profetas
Embriagados
Está na romaria
Dos mutilados
Está nas fantasias
Dos infelizes
Está no dia a dia
Das meretrizes
No plano dos bandidos
Dos desvalidos
Em todos os sentidos
Será? Que será?
O que não tem decência
Nem nunca terá!
O que não tem censura
Nem nunca terá!
O que não faz sentido...
O que será? Que será?
Que todos os avisos
Não vão evitar
Porque todos os risos
Vão desafiar
Porque todos os sinos
Irão repicar
Porque todos os hinos
Irão consagrar
E todos os meninos
Vão desembestar
E todos os destinos
Irão se encontrar
E mesmo padre eterno
Que nunca foi lá
Olhando aquele inferno
Vai abençoar!
O que não tem governo
Nem nunca terá!
O que não tem vergonha
Nem nunca terá!
O que não tem juízo...(2x)

MINHA HISTÓRIA (versão de Chico Buarque em 1970) - Canção italiana com versão em português de Chico. Um marinheiro deixou a minha mãe parada, pregada na pedra do porto, com seu único e velho vestido cada dia mais curto. O único sinal do marinheiro é a criança que ela dá a luz, o narrador da história. A mãe, frustrada com a ausência do homem que a amou por uma noite apenas, cria o filho no ambiente do cais e dá a ele o nome de Menino Jesus. Some o órgão ao fundo e vocais do MPB4, e você tem uma dos mais magníficos exemplos de sensibilidade humana.
Minha História
Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar
Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar
Sei que tinha tatuagem no braço e dourado no dente
E minha mãe se entregou a esse homem perdidamente, laiá, laiá, laiá, laiá
Ele assim como veio partiu não se sabe prá onde
E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe
Esperando, parada, pregada na pedra do porto
Com seu único velho vestido, cada dia mais curto, laiá, laiá, laiá, laiá
Quando enfim eu nasci, minha mãe embrulhou-me num manto
Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo
Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher
Me ninava cantando cantigas de cabaré, laiá, laiá, laiá, laiá
Minha mãe não tardou alertar toda a vizinhança
A mostrar que ali estava bem mais que uma simples criança
E não sei bem se por ironia ou se por amor
Resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor, laiá, laiá, laiá, laiá
Minha história e esse nome que ainda carrego comigo
Quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá, laiá, laiá

APESAR DE VOCÊ (1970) - A mais singela homenagem ao ditador Emílio Garrastazu Médici. Samba clássico, aliado ao duplo sentido antológico da letra, que fala de um sujeito que tenta desencanar de um fora e que pode ser entendida como um “tua hora vai chegar” para a Ditadura Militar. Composta em 1970, passou pela censura e o single começou a vender horrores. Junção impecável de melodia, letra e relevância. Provavelmente a mais importante música de Chico Buarque de Hollanda.
Apesar De Você
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal
La, laiá, la laiá, la laiá

RODA VIVA (1967) - Composta para a peça de mesmo nome escrita pelo próprio Chico. Também casa com perfeição a música, e a letra com a relevância história. Um samba cíclico: por mais que as boas coisas simples da vida – o samba, a viola, a mulata, a roseira – tentassem se impor, eis que chega a Roda Viva, e carrega o destino pra lá. A Roda Viva, é claro, era a Ditadura Militar. Foi ao som dessa música que os mackenzistas do CCC – Comando de Caça aos Comunistas – se juntaram à polícia e invadiram o teatro Galpão, onde era encenada a peça, e bateram nos atores e destruíram o cenário. Roda Viva conta com a sempre bem-vinda participação especial do MPB4 nos vocais de fundo. Trilha sonora pras inúmeras rodas vivas que desde então a gente tenta jogar pra lá.
Roda Viva
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...(4x)

MULHERES DE ATENAS - música foi composta por Chico Buarque e Augusto Boal em 1976, para a peça Mulheres de Atenas de Augusto Boal. Na época em que a música foi lançada, muitas mulheres intelectuais consideraram-na machista. Não conseguiram perceber a inteligente ironia do texto... Onde se lê “Mirem-se...” sugere-se que se faça o contrário; dessa forma, o texto é um hino contra a submissão das mulheres que se sujeitam às regras ditadas pelas sociedades patriarcais, tanto na ditadura, como fora dela. Ao relatar a história das mulheres dos guerreiros da Atenas antiga, a letra é ora feminista, ora feminina apenas.
Mulheres de Atenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos
Orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem imploram
Mais duras penas; cadenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos
Poder e força de Atenas
Quando eles embarcam soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam, sedentos
Querem arrancar, violentos
Carícias plenas, obscenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos
Bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar um carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas, Helenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas:
Geram pros seus maridos,
Os novos filhos de Atenas.
Elas não têm gosto ou vontade,
Nem defeito, nem qualidade;
Têm medo apenas.
Não tem sonhos, só tem presságios.
O seu homem, mares, naufrágios...
Lindas sirenas, morenas.
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos
Heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas
Serenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos
Orgulho e raça de Atenas
“Sim, porque ninguém mais cantou o que quer uma mulher como Chico Buarque.”



Leitoras