sexta-feira, 16 de agosto de 2013

"O ARROZ DE PALMA"- APRESENTADO POR LILIA


O ARROZ DE PALMA


Local: Casa da Ana






Sobre o Autor:
Dramaturgo, roteirista cinematográfico, poeta e ex-diplomata, Francisco José Alonso Vellozo Azevedo nasceu no Rio de Janeiro em 1951. Começou a se dedicar à literatura em 1967, quando venceu concurso promovido pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Além de livros e peças de teatro encenadas no Brasil e no exterior, Francisco Azevedo já escreveu para mais de 250 produções, incluindo roteiros de longa e curta-metragem, documentários e multimídias premiados e comerciais de televisão
Entrevistas:
Grupos Editorial Record: Entrevista - O arroz de Palma
Francisco Azevedo narra em O arroz de Palma, seu primeiro romance, um século da saga de uma família portuguesa imigrante. O tema da travessia e adaptação é recorrente na literatura brasileira, mas ao investigar especificamente a chegada de portugueses, não o colono, mas o que vem para trabalhar, Azevedo investe numa temática inédita. "Este meu romance de estréia fala da saga de uma humilde família portuguesa que chegou ao Brasil cheia de sonhos e projetos e que, transplantada neste solo, aprofundou raízes, cresceu e deu frutos. Fala de minhas próprias raízes. Fala, portanto, de mim e dos meus", disse Azevedo. O romance é marcado por uma escrita lírica, delicada, em que os momentos de reflexão do narrador, um senhor de 88 anos que prepara um grande almoço para toda a família, são entremeados por recordações deste século de família no Brasil. Embora as mudanças sociais e culturais do país possam ser percebidas no romance, é dentro da família que o autor maneja as transformações para amplificá-las: "O livro fala de família. A transformação do país na imagem dos descendentes é a transformação da própria família. Considerada falida nos anos 1960 e condenada ao desaparecimento, a família situa-se, agora, neste início do século XXI, como a mais sólida das instituições. Surpreendente? Nem tanto." Por meio das memórias do narrador, o octagenário Antonio, Francisco Azevedo maneja com esmero os diálogos, marca registrada em suas aclamadas peças teatrais como Unha e carne e Coração na boca, entre outras. Antes de O arroz de Palma, Azevedo publicou dois livros de poesia e prosa poética, Contra os moinhos de vento, 1978, e A casa dos arcos, de 1984. Posteriormente o autor se dedicou aos roteiros cinematográficos, de ficção e documentários, e peças teatrais.
A imigração é um tema que vem ganhando espaço na literatura brasileira. Como entende essa recorrência recente? Seria a necessidade de olhar para trás, para as raízes? Qual foi o seu caso?
A recorrência não acontece por acaso. Nós, seres humanos — os artistas principalmente —, estamos sempre antenados. Na literatura ou nas outras artes, as tendências coletivas resultam, justamente, dessa sintonia que está no ar e que tem muito a ver com o momento e a vivência desta ou daquela geração. No que diz respeito ao tema da imigração, acredito, sim, nessa necessidade de olhar para trás, para as raízes. Hoje, quando tudo é questionado e se torna relativo, precisamos de pontos de referência, modelos que nos transmitam um mínimo de certeza. Ir às raízes, mais que olhar para trás, é olhar para o fundo, para o que não está na superfície. É olhar simbolicamente para o que nos alimenta. É, enfim, tentar entender o que se passa conosco com base também na experiência ancestral, tão rica e tão vasta. Fico alegremente surpreso com as gerações mais novas que se interessam cada vez mais pela ancestralidade. Querem saber nomes de antepassados, a ascendência, a origem do sobrenome, o sangue (se português, italiano, alemão, espanhol, holandês...). Na internet, já há sites que criam e desenvolvem gigantescas árvores genealógicas! E entendo isso como uma busca afetiva — o que se quer é a informação caseira sobre o parentesco e não a descoberta de possíveis origens nobres.
Em O arroz de Palma, escrevo sobre nossas raízes lusitanas. Não falo do colonizador, mas do imigrante. Da gente simples, honesta e trabalhadora que veio em busca de dias melhores em terras brasileiras. Sempre confundimos a figura do colonizador com a do imigrante. Talvez, por isto, haja tantas histórias, filmes e seriados sobre italianos, alemães, japoneses, árabes e outros povos que imigraram para cá e nada ou quase nada sobre portugueses. Este meu romance de estréia fala da saga de uma humilde família portuguesa que chegou ao Brasil cheia de sonhos e projetos e que, transplantada neste solo, aprofundou raízes, cresceu e deu frutos. Fala de minhas próprias raízes. Fala, portanto, de mim e dos meus.
A transformação do país, na imagem dos descendentes, é figura que sai do pano de fundo para ser tratado como quase um dos personagens. Quis abarcar essas mudanças sociais, políticas e culturais com o romance?
O livro fala de família. A transformação do país na imagem dos descendentes é a transformação da própria família. Considerada falida nos anos 1960 e condenada ao desaparecimento, a família situa-se, agora, neste início do século XXI, como a mais sólida das instituições. Surpreendente? Nem tanto. Embora sacudida por radicais transformações de comportamento, ao longo das últimas quatro décadas, a família tem sabido superar suas deficiências, passar por testes dificílimos e, com base em diálogo mais franco, obter um maior entendimento entre seus membros: a aceitação do sexo antes do casamento e da homossexualidade, a união entre pessoas de religiões, raças e níveis sociais diferentes, o melhor entendimento entre casais que se separam e a natural convivência entre filhos de casamentos diferentes são apenas alguns exemplos de como essa instituição tem sabido evoluir e responder a novos desafios. Embora ainda com resistências e intolerâncias aqui e ali, e apesar de aparentes sinais de fragilidade, a família apresenta-se hoje como a instituição mais credenciada para reger de forma responsável as mudanças que a sociedade vem exigindo. Em O arroz de Palma estas mudanças estão presentes, é claro. E Antonio, o narrador da história, é naturalmente envolvido por elas.  O romance pretende mostrar que, apesar de todos os seus erros e tropeços cotidianos, a família busca se aprimorar. Ao se empenhar pelo acerto, essa milenar instituição parece querer provar que nós, seres humanos, pelo próprio instinto de sobrevivência, estamos fadados ao entendimento. Por isso, simbolicamente, o livro também se refere a esta nossa atribulada família planetária e a ela é dedicado: "Aos que já partiram, aos que aqui estamos e aos que ainda chegarão. Família somos todos."
O livro começa no “presente”, mas rapidamente o narrador recua para um século atrás e vem contando a história dessa família quase linearmente, mas em pequenas historietas, fragmentos. Por que escolher contar deste modo, ao mesmo tempo clássico e moderno?
A história de O arroz de Palma começa em 11 de julho de 1908 e termina exatamente em 11 de julho de 2008, quando Antonio, o narrador, já está com 88 anos e prepara um grande almoço em família. Acontece que o enredo ocorre ao personagem em forma de lembranças isoladas e em um tempo qualquer mais adiante, quando (não quero aqui revelar a razão) ele compreende o “mistério da terreníssima trindade” e se dá conta de que é passado, presente e futuro: três pessoas reunidas numa só. Neste momento principal, em que a toda a história de O arroz de Palma lhe vem à mente feito cinema, apenas o leitor lhe faz companhia. Os fatos, mesmo os mais remotos, estão tão vivos em sua memória, que são narrados no "presente colorido do indicativo". O modo de contar, ao mesmo tempo clássico e moderno, veio naturalmente, uma vez que, a meu ver, era o que melhor convinha à narrativa, que contém diálogos que vão do início do século passado aos dias de hoje, com conversas virtuais tecladas no msn. Mesmo em se tratando de um romance, há também uma forte influência de minha linguagem poética neste modo de contar. Acredito que a poesia esteja presente em quase todo o livro.
O milagroso arroz de Palma é o fio condutor de um século de trama. Mas, esquecendo a parte fantástica, o romance se debruça sobre vidas normais, sem grandes aventuras ou reviravoltas. Essa literatura do ínfimo, da delicadeza, é a que te agrada?
Sem dúvida. Mas não se espante se eu disser que essa "literatura do ínfimo e da delicadeza" tanto pode estar na poesia de Manoel de Barros, "que pensa renovar o homem usando borboletas",  como nos contos de Sérgio Sant’Anna. Em O arroz de Palma, eu me debruço sobre vidas normais. São problemas comuns de uma família comum. O próprio arroz, que serve de fio condutor, é mais simbólico que milagroso. A história começa, em Viana do Castelo, Norte de Portugal, no casamento de José Custódio e Maria Romana. Terminada a cerimônia, o arroz que desaba sobre os noivos é torrencial, chuva branca que não pára. O cortejo segue em festa pelo vilarejo, mas a romântica Palma permanece ali, feliz com todo aquele arroz espalhado pelo adro da igreja. Muito pobre, decide com entusiasmo que aquele é o seu presente de casamento para o irmão e a cunhada. No cartão, escreve: "Este arroz — plantado na terra, caído do céu como o maná do deserto e colhido da pedra — é símbolo de fertilidade e eterno amor. Esta é a minha benção. Palma". Infelizmente, o arroz, dado com tanto amor, resulta na primeira briga do casal. A partir daí, todos os conflitos, os dramas e as alegrias da família giram em torno do arroz.
Esse é seu primeiro romance e no tratamento com a língua percebemos um esmero literário bem diferente do que o normalmente utilizado em peças de teatro ou roteiros, seus trabalhos anteriores. O arroz de Palma, por isso, já nasceu como livro ou pensou em utilizar como outra forma artística?
O arroz de Palma nasceu como idéia para uma peça de teatro. Mas, com o desenvolver da trama, percebi que a história tinha fôlego. O romance, é lógico, me permitiu dar asas à imaginação e contar a saga dessa família sem estar preso às limitações naturais de uma produção teatral.
Minha formação é literária e poética. Em meus roteiros e, principalmente, em minhas peças de teatro esta formação está presente, inclusive, no trato que dou aos diálogos. Posso citar vários exemplos: Unha e carne, com Denise Del Vecchio e Lilia Cabral, continha falas reflexivas que me permitiam usar naturalmente a linguagem poética; Casa de Anais Nin, com Dora Pellegrino e depois com Lucélia Santos, é um texto essencialmente poético e a peça foi selecionada pela revista Bravo! como uma das melhores em cartaz em São Paulo. Coração na boca, encenada no Brasil e no exterior e cujos direitos para cinema foram adquiridos recentemente pela Total Filmes, também é exemplo dessa influência poética e literária em meu texto de teatro. Fui homenageado e convidado pela Yale University, como conferencista, para falar sobre a peça, traduzida para o inglês com o título Three of Hearts.
Crítica 1
É uma criativa história de amor. É leitura para quem gosta de refletir e buscar lições sobre os fatos que acontecem na vida familiar. Se o autor fosse rotular o livro empregaria na ficha as palavras da primeira linha da página 337: romance literalmente água com açúcar.
Para alguns isso é ofensa, para outros, elogio. A história em algumas passagens me comoveu. Não cheguei às lágrimas, mas percebi que se os fatos não foram verídicos, foram muito bem narrados e convincentes, eu diria que merecedores de um romance como este que foi escrito por Francisco Azevedo.
Toda a história se desenvolve nas lembranças do narrador enquanto prepara um almoço domingueiro para a família. Por isso mesmo emprega, principalmente no início, metáforas criativas como “família é um prato que emociona”; “temperos exóticos alteram o sabor do parentesco, mas se misturados com delicadeza tornam a família mais colorida interessante e saborosa”; “não existe família à Oswaldo Aranha, Família à Rossini ou Família ao Molho Pardo em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria. Família é afinidade, é à Moda da Casa”. Conforme a narrativa se desenvolve o autor relaxa a guarda e em vez de metáforas criativas abusa de clichês, lugares comuns e ditos populares ao ponto de em uma única página (106) cometer “chutar o balde”; “dou tratos à bola”; “mentira deslavada”; “Quem conta um conto aumenta um ponto”. É perdoado por ser o linguajar que se encaixa no perfil do narrador.
Crítica 2
Primeiro romance a tratar da imigração portuguesa para o Brasil no século XX, O ARROZ DE PALMA narra a saga de uma família em busca de um futuro melhor, superando diversas dificuldades. Nos cem anos em que acompanhamos suas vidas, irmãos brigam e fazem as pazes. Uns casam e são felizes, outros se separam. Os filhos ora preocupam, ora dão satisfação. Tudo sempre acompanhado pelo arroz jogado no casamento dos patriarcas, José Custódio e Maria Romana, em 1908. Grão que serve de fio condutor desta história, como migalhas de pão jogadas no labirinto da memória.
Estréia na literatura do roteirista e dramaturgo Francisco Azevedo - autor das peças Unha e carne e A casa de Anais Nin, sucessos de público e crítica -, o livro começa com Antônio, filho de José e Maria, aos 88 anos, preparando o almoço que será servido à família, finalmente reunida após muito tempo. Enquanto combina os ingredientes, vão se misturando em sua mente as histórias que Tia Palma, irmã de seu pai, lhe contava. Mitologias familiares, que gravitam em torno desse arroz e também em torno das dificuldades em se largar uma terra amada por um futuro duvidoso.
Tudo começa no casamento dos pais, em Viana do Castelo, norte de Portugal, seguindo a tradição, o casal saiu da igreja sob uma chuva de arroz. Recolhido por Palma, esses 12 quilos de arroz foram acompanhando a família, sendo fundamentais em vários momentos. Como quando, para tratar da infertilidade da cunhada e do irmão, Palma dá a ele um laxante e depois prepara uma canja com esse arroz. O mesmo que ela presenteia ao sobrinho Antônio no dia de seu casamento. Uma união selada num almoço em que a família serviu esse arroz com bacalhau. O ARROZ DE PALMA é um romance delicado, que emociona e comove. Com um certo ar de Isabel Allende, a trama tem um forte componente sentimental. Uma nostalgia por um tempo em que a família abrigava as pessoas. Um ideal que, portugueses ou não, todos herdamos.
Este livro é contado por um 'velho' de 88 anos...que está preparando um almoço de família...reunindo toda a família: mulher, filhos, netos, irmãos e seus descendentes...
Antônio é o filho mais velho do casal português José Custódio e Maria Romana que vem para o Brasil juntamente com a irmã de José Custódio, 'tia' Palma logo após o casamento, por aqui eles vão morar em uma fazenda no interior do Rio de Janeiro onde trabalham com o casal Sr. Avelino e D. Maria Celeste...a amizade entre os casais é muito forte...os primeiros filhos dos casais Antîonio e Isabel, nascem no mesmo ano e crescem juntos...depois se casam...e têm filhos...e a história é narrada de uma forma deliciosa...é um poema a forma como Francisco Azevedo narra a 'saga' de uma família...muito emocionante e cativante...
OBSERVAÇÕES DE VERA GUIMARÃES:
Mais um encontro de sucesso, desta vez para discutirmos O ARROZ DE PALMA, de Francisco Azevedo.
O livro foi apresentado por Lília e o debate teve a participação de todas.
Como se trata de um livro de memórias, levantei dados sobre o assunto. Aguardo contribuições de quem se lembrar de algo mais.
    
  MEMORIALISMO/ MEMORIALÍSTICA
 “A vida não é relatável.” Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H.
“Memórias são a escrita da alma.” ?
“A memória é uma ilha de edição”, Wally Salomão, poeta e compositor.
MEMORIALISMO
Conceito que abarca as características dos relatos em 1ª. pessoa, que se manifestam em diversos gêneros literários (autobiografia, diário, correspondência, literatura de viagens, poesia lírica) e cujas marcas principais são a subjetividade e o confessionalismo, real ou fictício.
A escrita em forma de memórias pode ser um recurso narrativo adotado por um autor para dar forma literária a uma obra fictícia. O memorialismo fictício supõe a elaboração de uma obra que, de um modo ou de outro, simule a produção de um livro de memórias.
DIFERENÇA ENTRE MEMÓRIA E AUTOBRIOGRAFIA
A narrativa de memórias às vezes é confundida com biografia ou autobiografia, não obstante a diferença entre os dois gêneros: enquanto a biografia se interessa por um personagem relevante do ponto de vista histórico, literário, científico etc., e narra fatos da sua vida, a memória pode ser interessante mesmo quando se refira a personagens sem qualquer relevância pessoal, residindo seu interesse no testemunho de uma época, de um ambiente social, de um período histórico, de costumes familiares, linguísticos etc.  

MEMORIALISTAS NA LITERATURA BRASILEIRA – Trechos extraídos de De Taunay a Nava: grandes memorialistas da literatura brasileira, do Prof. Dr. Paulo BUNGART NETO (UFGD)
“A produção memorialística é fenômeno relativamente recente na literatura brasileira. Se as crônicas e os registros históricos se iniciam já em 1500, com a Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, e a poesia e o teatro brasileiros, com os poemas e autos de José de Anchieta, as primeiras obras do gênero memorialístico, entre nós, surgem apenas durante o Romantismo, no final do século XIX.” (...)
“O memorialismo brasileiro já deixou registrados o pavor e as atrocidades de uma guerra absurda (as Memórias, de Visconde de Taunay, sobre a Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança), o ambiente inescrupulosamente pecaminoso dos internatos masculinos (tema das obras Balão Cativo e Chão de Ferro, de Pedro Nava, e do romance autobiográfico O Ateneu, de Raul Pompéia). Por falar em romance, simultaneamente ao início da prática regular de escrita memorialista por parte dos ficcionistas românticos, é através de um romance de “memórias” (as Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, publicadas em 1881) que a escola realista se impõe em nossas terras. Quase trinta anos depois, Machado ainda traz à lume o Memorial de Aires(1908), escrito na forma de diário pelo diplomata aposentado, o Conselheiro Aires. Além disso, é preciso evocar as lúdicas Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida.” (...)
O Romantismo é, portanto, a primeira escola literária brasileira a produzir (bons e, às vezes, ótimos) textos de cunho memorialístico, como as obras Como e por que sou romancista, de José de Alencar; Minha vida: da infância à mocidade e o sugestivo Quando eu era vivo, de José Joaquim Medeiros e Albuquerque; e, sobretudo, as Memórias do Visconde de Taunay, sobre as quais me deterei um pouco mais adiante.
Antes do boom do memorialismo no Modernismo brasileiro, (...)é preciso evocar a obra de Lima Barreto, sobretudo o romance Recordações do escrivão Isaías Caminha e sua obra memorialística O cemitério dos vivos, ambas as obras repletas de confissões de traumas, dependências químicas e dificuldades de inserção social e profissional. Rotuladas como “pré-modernistas”, as obras de Lima Barreto antecipam muitas das técnicas modernistas, abrindo caminho para a consolidação de uma tradição confessional que marcou grande parte da literatura brasileira do século XX.

“Memorialismo modernista no Brasil: antes e depois de Proust
O memorialismo modernista brasileiro sofreu obviamente um grande impacto no início do século XX devido à publicação da obra A la Recherche du Temps Perdu, de Marcel Proust, nas décadas de 1920 e 1930. Lida em geral no original em francês (pois só foi publicada em edição brasileira a partir do final da década de 1940, pela Editora Globo, de Porto Alegre), a história de Marcel, a da lembrança involuntária a partir do bolinho molhado no chá, repercutiu, direta ou indiretamente, com maior ou menor intensidade, nas obras memorialísticas da literatura brasileira, que surgiram em profusão. (...) Alguns exemplos, para ficar apenas dentre os autores mais canônicos:Itinerário de Pásargada, de Manuel Bandeira; Um Homem sem Profissão: Sob as Ordens de Mamãe, de Oswald de Andrade; Meus Verdes Anos, de José Lins do Rego; Solo de Clarineta, de Erico Veríssimo; A Idade do Serrote, de Murilo Mendes; Viagem no Tempo e no Espaço, de Cassiano Ricardo; Infância e Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos; A Menina do Sobrado e Explorações no Tempo, de Cyro dos Anjos; e Pobre Memórias de um Homem, de Dyonelio Machado. Isso apenas em termos de grandes poetas e ficcionistas que deixaram memória ou autobiografia em prosa. Sem falar nos casos de memorialismo poético (como nas obrasBoitempo, de Carlos Drummond de Andrade, e Memórias Inventadas, de Manoel de Barros), de intelectuais que, não se notabilizando como ficcionistas, escreveram obras essenciais no gênero, como o jornalista Fernando Gabeira (O que é isso, companheiro?) e os críticos literários Augusto Meyer (Segredos da Infância e No Tempo da Flor), Gilberto Amado (História da Minha Infância); Agripino Grieco (Memórias, em vários volumes), Tristão de Athayde (Memórias Improvisadas), Carlos Dantes de Moraes (Um solitário à Procura da Vida – Fragmento de Autobiografia) e Silviano Santiago (O Falso Mentiroso) e do caso mais paradigmático e assombroso da memorialística brasileira, a obra, em sete volumes (publicada entre o início das décadas de 1970 e de 1980), de Pedro Nava, médico reumatologista, poeta bissexto e frequentador assíduo das rodas literárias belo-horizontinas na companhia de Drummond, Emílio Moura, Rodrigo de Melo e Franco, etc. “ Os livros de memória de Pedro Nava são: Baú de Ossos, 1972; Balão Cativo, 1973; Chão-de-Ferro, 1976; Beira-Mar, 1978; Galo-das-Trevas, 1981;O Círio Perfeito, 1983; e Cera das almas, póstumo, incompleto, 2006.
MEMORIALISMO NO CINEMA

Verao de 42, de Robert Mulligan, 1971, http://m.imdb.com/title/tt0067803/

Stand by Me, 1986, de Rob Reiner, http://m.imdb.com/title/tt0092005/

Esperança e Glória, 1987, de John Boorman, http://m.imdb.com/title/tt0093209/ 

Tempo da Inocência, 1999, Hugh Hudson, http://m.cineclick.com.br/tempo-da-inocencia

Quadrilogia de Marcel Pagnol: Jean de Florette, Manon des Sources, La Gloire de mon Père, Le Château de ma Mère, http://m.imdb.com/name/nm0656528/


CONSULTAS




Memórias/Saudosismo na MPB

> MEUS TEMPOS DE CRIANÇA, Ataulfo Alves, http://m.vagalume.com.br/ataulfo-alves/meus-tempos-de-criaanca.html

> TECOTECO, Gal Costa

> DOZE ANOS, Chico Buarque

> LAMPIÃO DE GAS, Zica Bergami

> TRILHOS URBANOS, Caetano Veloso,  http://m.letras.mus.br/caetano-veloso/44784/

> CORDAO DA SAIDEIRA, Edu Lobo, http://m.letras.mus.br/edu-lobo/436785/

Alguém se lembra de outras?

sábado, 1 de junho de 2013

"QUARTO"- REUNIÃO






Encontro realizado em 20 de junho de 2013.
Presenças : Lara (apresentadora), Ana Lima, Conceição, Karla, Lília, Luciana, Luzimar, Marilda, Marilena, Marília, Monica, Regina, Rosete, Sylvia, Teresa Lírio, Terezinha, Thereza Matos, Vera e Zezé.
Aguardamos o envio de material da Lara.

sábado, 18 de maio de 2013

"TREM NOTURNO PARA LISBOA"- APRESENTADO POR THEREZA M.




Local : casa da Angela Banhos
Apresentadora: Thereza Christina Matos

Participantes: Advanir, Ana, Bia, Conceição, Eterna, Karla, Lara, Luciana, Luzimar, Marilena, Maria Célia, Marília, Regina , Rosete, Sylvia, Teresa Lírio, Thaís, Zezé
O Autor

Pascal Mercier é o pseudônimo literário usado pelo filósofo Peter Bieri. Nasceu em Berna em 1944 e até recentemente foi professor de Filosofia na Universidade de Berlim.
Filho da pequena burguesia, cedo decidiu que não queria para si o tipo de vida que os homens da casa levavam. O determinismo do almoço às 12h30 imposto pela fábrica o fez começar a refletir sobre a condição humana com apenas 12 anos, altura em que iniciou a leitura da História das religiões. "Nunca mais almocei a horas certas", afirma agora.
O seu percurso biográfico e profissional revela-se todo ele marcado por rupturas e deslocamentos: aos dezenove anos abandona a sua cidade natal, Berna, fugindo, como ele próprio explica, da «estreiteza suíça» e da «estreiteza da família».
Estuda Filosofia, Estudos Ingleses e Estudos Indianos em Londres e em Heidelberg; seguem-se anos de investigação em Berkeley e Harvard, e depois passa a lecionar em diferentes universidades alemãs, até se instalar em Berlim como professor da «Freie Universität» (Universidade Livre).
Foi co-fundador da unidade de investigação “Cognição e Cérebro”.
Eventualmente preocupado com a reação da comunidade universitária , Peter Bieri esconde a sua identidade atrás de um pseudônimo literário. Apenas em 1998, quando da publicação de O Afinador de Pianosque se seguiu ao seu romance de estréia O Silêncio de Perlmann (1995) é tornado público o verdadeiro nome do autor.
O ex-professor deixou Berna e vive atualmente em Berlim.


ENTREVISTA (Isabel Lucas)
Prefere ser tratado por Pascal, o pseudônimo, ou por Peter?                   
Peter. 
Porque escolheu então outro nome para assinar ficção?
Porque no início tive medo da rejeição. Ser professor de Filosofia numa universidade alemã e começar a escrever romances é perigoso.
Porquê?                   
 É considerado qualquer coisa baixa, pouco respeitável. Deixa-se de ser sério do ponto de vista acadêmico. Era como se a vida acadêmica não fosse suficiente para mim e eu tivesse de fazer mais qualquer coisa e as sanções podem ser severas. Quando se escreve um primeiro romance não estamos seguros de nós. Falta confiança, tememos ser magoados facilmente com reações negativas e queremos proteger-nos. Quis ver o que acontecia com o livro com uma certa distância. No segundo romance achei que devia revelar a minha identidade, mas psicologicamente falando, o nome Pascal passou a fazer parte de mim.
Este seu livro já vendeu mais de dois milhões de cópias no mundo. Começa com um professor de filosofia que muda de vida fascinado com uma mulher, com a sonoridade da música portuguesa. Foi a música da língua que o levou a escrever Comboio Noturno para Lisboa? 
Exatamente. No princípio fui motivado pelo som da língua, a melodia das frases. Flaubert, quando escreveu Madame Bovary, enviou uma carta importante a um amigo. Dizia que desejava não ter de ter um enredo e poder escrever um livro sobre nada, mostrando apenas a melodia e a poesia das palavras em francês. Quando li estas frases tive a sensação de que tinha descoberto o veículo para desenvolver os meus tópicos filosóficos: a solidão, a morte, a decepção, lealdade… É muito difícil escrever sobre estes tópicos. É preciso uma certa musicalidade. Achei que eu, suíço, criado na cidade de Berna, não conseguia ter estofo para fazer sair de mim as frases que saem da pena de Amadeu de Prado. Eu era muito pequeno e insignificante. Não é coqueteria. A solução era inventar uma personagem que pudesse dizer frases como aquelas e essa pessoa foi Amadeu de Prado. 
E porquê um português, escritor da resistência, para desenvolver essas idéias?
Sim. Porque havia Pessoa, o som da língua que adoro e lamento não ter tempo para a aprender a falar. E Lisboa como cidade que assenta perfeitamente em “Mundus” . É uma cidade lenta, com ares de século XIX, tirando os carros; um pouco decadente. Precisava ainda de um ditador para ter o tópico político da resistência no livro. Para se ter uma movimento de resistência é preciso haver um ditador e entre o ditador e aquele resistente queria que houvesse um conflito do tipo pai e filho, tinha de ser um ditador especial, com a imagem de paternidades. Não podia ser Franco, nem Hitler nem Mussolini.  Salazar era um tipo diferente de homem. Um intelectual, professor de economia, não era alguém que gostasse da brutalidade. Claro que cometeu atos brutais, mas nada como Hitler. Portanto foi Pessoa, o som da língua, Lisboa como cidade e o ditador certo. Tudo isto me levou a Portugal e a Lisboa. 
Fala muito do som da língua. A que soa a língua portuguesa?
É o shhhhhh, o ççççç (Pausa para pensar). É suave, terno, sedativo, que não seduz facilmente. Consigo ouvir a melodia do português durante todo o dia. Em minha casa tenho um canal de televisão português e consigo ouvir aquilo durante horas, ainda que muitas vezes não perceba nada. É como uma bela paisagem e entramos naquela paisagem e esquecemos tudo. 
Lê português?
           
 Leio. Não consigo falar, mas sei ler. É fácil. Não é fácil é ouvir porque vocês engolem as letras… E li o seu jornal (DN), que entra no meu livro (risos)
Também leu Pessoa em português?
       
     Sim. É o único escritor português que conheço realmente bem. Mas vou ler mais portugueses. Li traduções de António Lobo Antunes. Parece-me um escritor excêntrico e incrivelmente poético. Como Flaubert, gosta de escrever só para usar as palavras. Não precisa de enredo. Está muito perto dos poetas. Como dizia o Pessoa, a poesia é um canto sem música. Acho que a escrita de Lobo Antunes é assim. Um canto sem música. 
O livro está a ser adaptado ao cinema…
      
  É uma experiência terrível. Quero separar muito bem o livro do filme. Tenho muitas dúvidas de que consigam fazer um filme deste livro, mas os direitos foram vendidos… Eles mudaram as personagens, o enredo, a atmosfera, tudo…
Está mais próximo de “Mundus” ou de Prado?
De ambos. Sou uma pessoa muito aborrecida, vagarosa, que tem boa memória, sou trabalhador, disciplinado. Aí sou “Mundus”. Por outro lado, sou emotivo, rebelde, aventureiro, romântico, o Prado.
Se vivesse em Lisboa, que sítio escolhia?
Acho que no Bairro Alto, pelas ruas, as cores, a atmosfera. De preferência numa sala da qual se visse a água. A água é tão importante quanto o som ou os nomes. 
Entrevista publicada a 26 de Março de 2008 no Diário de Notícias

Crítica 1
 Trem Noturno Para Lisboa / Tobias Thiessen
Esse livro é daqueles que realmente possuem a capacidade de fazer você refletir sobre as questões contidas nele, mesmo tempos depois de ter terminado de lê-lo. A digestão das palavras do livro fica sendo feita por muito tempo ainda na tua cabeça.
Trem Noturno para Lisboa conta a história de um professor de línguas antigas, Raimundus Gregorius que através de situações inusitadas decide mudar de vida.
Podemos acompanhar como e porque esse professor de grego, latim e hebraico que levava uma vida pacata e pautada pela ordem em Berna, na Suíça, de repente, de uma hora para outra, desiste de tudo e como se fosse um detetive vai atrás do médico português Amadeu de Prado em Lisboa. Mundus se encanta com o livro "Um ouvires das palavras" que o português supostamente escreveu e vai em busca de mais sobre o autor. Nessa viagem até Lisboa e em busca do autor, ele conhece diversas pessoas e essas acabam o ajudando de uma forma ou de outra.
O leitor, no processo de leitura do livro, é levado a ler o livro dentro do livro e conhecer melhor esse angustiado português que por causa do seu pai virou médico e que combateu a ditadura de seu país assolado por Salazar. Percebe-se que tanto o professor suíço como o médico português são um alter-ego do professor de filosofia Peter Bieris, escritor do livro.
Eu particularmente gostei bastante de ler. Gosto da Europa e essa mistura de estilo alemão com a realidade portuguesa tem muito a ver comigo. O livro se conecta comigo, com a minha identidade e diversas questões que o livro provoca são em certo sentido também as minhas questões pessoais.
Lógico que o livro contém ressalvas, ou seja, fatos díficeis de se engolir. Como por exemplo: como o cara consegue em poucos dias, sem nunca ter tido contato direto com a língua portuguesa traduzir facilmente o livro dessa língua para o alemão? Mesmo o livro sendo cheio de questões filosóficas obscuras ele segue adiante na tradução do livro de Amadeu sem muitas dificuldades! E também, todos os personagens conseguem discutir temas profundos em inglês ou francês, apesar de não ser a língua mãe das pessoas. Como ele se entende tão bem com todas as pessoas com quem ele se encontra? Ou como Raimundus tem acesso tão fácil ao ex-liceu de Amadeu e pode montar o seu acampamento e o seu canto especial lá?
Mas como dizem por aí: so what?
Pelo que percebi a ideia do autor, não é em primeiro plano apresentar a história de Mundus, mas sim, apresentar os pensamentos de Amadeu. E é ele, Amadeu e não o professor suíço, a personagem principal do livro e que nos traz às reflexões que o livro se propõe.
Não é um livro que se lê assim, sem mais nem menos, também não fornece muitas cenas de suspense que te prendem e que te fazem avançar na leitura. Para se aproximar do livro e do seu conceito é necessário uma certa abertura e um vontade filosófica.
Ajuda, se você assim como Mundus, está cansado da tua vida, do jeito como ela é e/ou busca novos horizontes, nem que seja apenas na tua forma de pensar.
Em todos os casos, se você se interessou, recomendo a leitura.

Critica 2
Trem noturno para Lisboa

Aos 50, um pouco antes, um pouco depois, você às vezes sente vontade de desvestir-se de si mesmo, mergulhar num outro eu e cair na vida, de preferência em algum lugar do lado avesso do planeta!

Pode surgir de repente. Pode ter sido alimentado em segredo durante anos. Mas esse ímpeto, de alguma forma, parece fazer parte dessa etapa do caminho.


Mas contra todas as expectativas, é exatamente isso que decide fazer um dia Raymund Gregorius, um erudito enrustido mais do que típico professor de línguas antigas num colegio de Berna, na Alemanha, já nas primeiras linhas do romance Trem Noturno para Lisboa, de Pascal Mercier, codinome de Peter Bieri, também um professor, mas de Filosofia, e em Berlim.

A cena do encontro do professor cinquentão com a moça desesperada no meio de uma ponte, numa manhã chuvosa e a frase casual em português, cuja melodia dá o comando da extraordinária decisão, é tão plausível na sua absoluta impossibilidade que 'tomar o trem noturno para Lisboa' virou expressão comum em Portugal para designar esses momentos de "virada'.

Gregorius vai a Lisboa e mergulha literalmente na história de um outro, o médico português, Amadeu de Prado. Percorre as ruas e visita os lugares, encantado pela língua estrangeira e suas modulações afetivas, saudosas de um não sei o quê.

O livro não é novo, novidade é uma obra tão apoiada nas acrobacias do discurso ter vendido mais de 2 milhões de exemplares no mundo! As belas palavras são sereias.


Lembro do poema Ode Marítima, de Fernando Pessoa:

Ah, seja como for, seja para onde for, partir!
Largar por aí fora, pelas ondas, pelo perigo, pelo mar,
Ir para Longe, ir para Fora, para a Distância Abstrata,
Indefinidamente, pelas noites misteriosas e fundas,
Levado, como a poeira, pelos ventos, pelos vendavais!
Ir, ir, ir, ir de vez!
Todo o meu sangue raiva por asas!
Todo o meu corpo atira-se pra frente!
Galgo pela minha imaginação fora em torrentes!
Atropelo-me, rujo, precipito-me!.
Estoiram em espuma as minhas ânsias
E a minha carne é uma onda dando de encontro a rochedos!


Fiz certa vez um curso sobre "A Morte e o Morrer". Numa das palestras, a enfermeira insistia que é impossível morrer bem sem um acerto final de contas com a vida. Felizes os que conseguem partir com a sensação de "valeu!".    Partir é um chamamento poderoso demais para a gente fingir que não ouve: "Ir para Fora, ir para Longe, ir para a Distância Abstrata", assim mesmo, com as maiúsculas a sugerirem distâncias impossíveis de transpor.


Não custa nada abrir uma frestinha nas nossas bem organizadas defesas para deixar entrar a aventura, novas melodias, horizontes apenas adivinhados. Nem que seu 'trem noturno para Lisboa' seja uma passagem de ida e volta, num final de semana para uma cidade qualquer, desde que você não conheça e, sem reservas, sem vouchers, sem bagagem! Ou um ótimo livro para "galgar pela imaginação fora em torrentes'!


Critica 3
Trem Noturno para Lisboa - (Clube de Leitura Icaraí)
Dezesseis pessoas a bordo. Alguns passageiros novos que trouxeram contribuições muito interessantes. Outros passageiros retornaram após um longo período de ausência do Clube. Antes do início das discussões, houve algumas ponderações sobre participação virtual na escolha do livro do mês; que o período de um mês é muito pouco para lermos um livro, tornando as leituras apressadas ou não dando tempo para se ler a obra, e outras considerações bastante polêmicas. Cantamos, então, parabéns para nossa leitora fundadora do Clube nos idos de 1998 e começamos as discussões.
    Embora não podendo participar da reunião por ser um dos participantes virtuais de nosso Clube, as contribuições do nosso leitor de Campinas foram muito citadas na noite. O piano de Jorge, as variações de Goldberg, Estefânia, Maria João, os estados novos português e brasileiro, a tortura em João Eça, o trem como uma alegoria da vida, a intensa identificação de Gregorius e Amadeu, mesma idade dos dois na momento da busca de Gregorius, embora em tempo diferente, mesmo mal físico o “que pode ter sido resultado da profunda identificação”, a intenção de ainda voltar em Salamanca, as línguas antigas e o português, um latim moderno falado nas ruas que ofereceu ao protagonista a ponte para o despertar de sua vida, o evento da ponte que colocou Gregorius diante da questão da finitude da vida, a magia da chuva, da ponte, do encontro com a portuguesa misteriosa que nunca mais reaparece, mas que muda sua vida, etc.
Nada como outros pontos de vistas, de outros leitores, para nos ajudar a ler um livro e repensar nossa interpretação, nos estimulando a refletir sobre nós mesmos antes de concluir algo. 

As primeiras impressões da leitura do “Trem Noturno para Lisboa” não foram nada animadoras. Achava que o escritor suíço, para se distanciar de sua problemática pessoal, teria projetado suas questões em um personagem estrangeiro, no que essa palavra teria de mais remoto para ele, um português atormentado contra o qual ele poderia se sentir bem blindado para expor seu alter ego. E o narrador, meloso e mórbido ao mesmo tempo, parecia-me ser daquelas pessoas que grudam na gente obsessivamente, que tentam viver a nossa vida. Meio obsessivo, não?
   Muita coisa me incomodou no livro: a síndrome do protagonista que enfrenta qualquer oponente no jogo do xadrez, mas acha ridículo enfrentar a vida quando se tem tanto a enfrentar em si mesmo. O questionamento sobre como seriam as coisas se não fossem como são, de como podemos ser aquilo que não fazemos, etc.
Houve um momento da viagem em que, olhando pela janela, avistei “O Homem que Via o Trem Passar” (Georges Simenon) e invejei sua posição. Em outro momento da viagem descobri, enfim, por que não estava gostando do livro: eu me sentia perdendo a partida (o autor nos faz sentir que viver pode ser como se jogássemos uma partida de xadrez). Eu levava cheque-mate sobre cheque-mate, mas persisti na viagem, resistindo às tentações, sem descer nas estações intermediárias, que descobri também, depois, serem meras miragens, porque o trem nunca para nas estações. Lembro-me de ter alegado em uma das minhas postagens que o autor era muito cheio de arroubos, superlativos e adjetivos, mas... a viagem da vida não é assim?
Por diversas vezes ameacei pular do trem, estrebuchei, não parecia literatura aquela mania do autor de deixar tudo explicadinho. Houve quem me incentivasse a pular, talvez sensíveis ao incômodo que o culto à personalidade de um personagem que não conseguia superar seus complexos de culpa me causava (será que tenho problema com isso?).
   Segui o conselho do próprio Amadeu que afirma que devemos buscar as desilusões, continuei me iludindo que o livro poderia melhorar na próxima estação. Ou, quem sabe, no fundo estivesse buscando a desilusão final da última página do romance. O livro mexeu também com o meu lado comodista de sempre aceitar a vontade que não é a minha, minha síndrome do “seja feita a sua vontade”. Ao chegar ao fim dessa viagem devo reconhecer que o livro tem passagens geniais ao lado de outras horríveis, como a vida em geral. 
   E afinal, a vida é o que vivemos ou o que imaginamos viver? E parece, ela, a um jogo de xadrez?

 Critica 4
 Trem noturno para Lisboa
13/11/2012 -Crônicas, contos e textos semanais por Adriana Taets
Em qualquer resenha sobre o livro Trem noturno para Lisboa é possível saber que se trata da história de Gregorius, um professor de filologia de Berna que se apaixona pela sonoridade da palavra “português” e parte, então, para uma viagem rumo a Lisboa onde procura aprender essa nova língua.
Há dias terminei a leitura deste livro e desde então fico me rebatendo, tentando encontrar o que dizer sobre ele. O básico já foi dito em todos os lugares: se trata da história de um homem que abandona sua vida regrada num liceu de Berna e parte para o improvável em sua busca por uma nova língua.
O que mais, então, pode ser dito? Certa vez, um amigo antigo me falou, em voz baixa, que não se deve contar o seu poema favorito a ninguém. Seu poema favorito é o seu maior segredo. O que dizer então do livro que te tirou o conforto diário, te jogou na tempestade, arrancou as raízes calmas do cotidiano?
Não, eu não teria muito a dizer sobre Trem Noturno para Lisboa. A não ser que se é fisgado pelo livro no momento exato em que Gregorius se apaixona pela sonoridade da palavra “português” cantado pela voz de uma estrangeira desconhecido numa ponte de Berna. E isso acontece nas primeiras dez páginas. Da estrangeira que entregou essa bela palavra a Gregorius não sabemos mais nada, só a devastação que ela causou na vida dele. Depois deste encontro, Gregorius decide aprender português, vai até uma livraria e o livreiro lhe apresenta um livro nesta língua, de um médico de um livro só, Amadeu Prado. Gregorius, já apaixonado pela palavra português, se apaixona uma segunda vez por tudo aquilo que é dito no livro daquele autor desconhecido. Num impulso, ele abadona sua vida e parte para Lisboa, numa tentativa de conhecer esse médico que diz coisas sublimes num idioma sublime.
O livro nos leva, então, a conhecer diversos personagens. Adriana, Mariana, Mélodie, João Eça, Silveira, Jorge, Cecília, Maria João, Estefânia, todos eles acompanham, de algum modo, Gregorius em sua tentativa de conhecer a história de Amadeu.  Há uma semana terminei o livro e ainda me espanto com a vivacidade de cada um desses personagens na minha memória. Ainda me assusto com eles, com a profundidade com que são desenhados, é como se estivessem do outro lado da sala, me observando enquanto vou desvendando aquilo que eles sabem sobre Amadeu.
De todos os personagens, no entanto, é Amadeu, o médico das palavras de ouro, quem conduz toda a trama do livro. É por Amadeu que Gregorius modifica sua vida, avança, tropeça, muda, por fim. O livro possuiu três tramas narrativas: o livro de Amadeu, a língua portuguesa e o xadrez. Eles estão presentes em quase todas as páginas. Os personagens transitam por esses lugares, as conversas versam sobre os três temas. As escolhas são feitas a partir deles. As partidas de xadrez aparecem como um descanso na trama pesada, um alívio para a fumaça que é levantada em cada página. A língua portuguesa traz a beleza e a sonoridade da história, as últimas letras comidas, o chiado no final das palavras. E o livro de Amadeu, com seus questionamentos intermináveis, lança Gregorius e a nós, leitores, num redemoinho de perguntas e sensações e descobertas que nos levam quase ao torpor.
Entre um e outro tema encontramos ainda resquícios da ditadura de Salazar, mãos trêmulas após anos de tortura, desaparecidos, doentes, velhos moribundos, estratégias de combate, resistência entremeados na memória de agora e na memória de antes. Nenhuma página é escrita com ares de espetáculos, antes, cada evento – o de agora e o de antes – é narrado por palavras exatas, tranquilas de estarem no lugar exato onde deveriam, sem exagero nem excesso.
É tudo que posso falar sobre Trem Noturno para Lisboa. Todo o resto ainda está preso em mim, ou eu nele.
Esse livro que deveria trazer na capa um aviso: “CUIDADO, PRECIPÍCIO!”.


Critica 5
Mirian Leitão

Um livro para quem gosta de livros e das palavras. É assim o "Trem Noturno para Lisboa" de Pascal Mercier, na verdade o pseudônimo de Peter Bieri, professor de filosofia em Berlim.
Gregorius, um professor de linguas clássicas que de repente se apaixona pelo português, é o personagem principal. A paixão é pela sonoridade que está na própria palavra "português" e decide abandonar trinta anos de vida previsível e sair de Berna tomando o trem para Lisboa. Antes ele encontra um livro que conduz todo o livro, o de Amadeu do Prado, autor desconhecido de um livro só. Ao refazer os passos do autor e aprender português em Lisboa ele leva o leitor para vários mundos, inquietações, dúvidas e transcendências.
Sem ser uma história de ação ou suspense, o livro - ou os livros contidos nele - envolve completamente o leitor com a força do inesperado. Tudo é previsível e de certa forma imprevisível; tudo aconteceria naturalmente e é improvável. Depois de romper com a rotina que o aprisionou a vida inteira como o professor exemplar, Gregorius pode fazer qualquer coisa;  sua vida absolutamente sem rotina o leva a peregrinar pelos passos do autor admirado, enquanto ele vai analisando os trechos reveladores e apaixonantes do livro de Amadeu. Assim ele oferece ao leitor reflexões filosóficas e frases belíssimas.
Nos meus primeiros dias de férias tenho me dedicado a escrever. O delicioso ato de escrever sem o imediatismo do jornalismo. Nada contra o jornalismo, mas tenho me dedicado a fazer o inverso e o mesmo ofício que me apaixona. À noite, para descansar, li o Trem Noturno para Lisboa. Com Gregorius e Amadeu do Prado viajei conquistando também cada etapa da descoberta. O fim deixa fios soltos no ar levantando ainda mais dúvidas. Um livro, enfim, para quem gosta de pensar.
Publicado no Brasil pela Editora Record, no mundo já vendeu dois milhões de exemplares.

CURIOSIDADES
1 - Variações Goldberg
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

As Variações Goldberg formam um conjunto de variações para cravo compostas por Johann Sebastian Bach. Publicadas inicialmente em 1741 como o quarto volume da série Clavier-Übung ("Prática do Teclado") de Bach, a obra é considerada um dos mais importantes exemplos da forma variação.
Depois da exposição da ária no começo da peça, surgem trinta variações seguidas pela repetição da ária.
As Variações Goldberg eram tidas no passado como um exercício técnico árido e aborrecido. Hoje, entretanto, o conteúdo e a abrangência emocional da obra tem sido reconhecido e se tornou a peça favorita de muitos ouvintes de música erudita. As Variações são largamente executadas e gravadas e têm sido objeto de muitos artigos, livros e estudos analíticos

A história da criação das variações foi tirada da biografia de Bach escrita por Johann Nikolaus Forkel:
"(Quanto a essas variações), devemos agradecer à provocação do ex-embaixador russo na corte eleitoral da Saxônia, o conde Hermann Karl von Keyserling, que freqüentemente passava por Leipzig e que trouxe consigo o já mencionado Goldberg para receber orientações musicais de Bach. O conde tinha freqüentes acometimentos de doenças e ficava noites sem dormir. Em tais ocasiões, Goldberg, que vivia em sua casa, tinha que passar a noite na antecâmara para tocar para ele durante sua insônia. … Certa vez, o conde mencionou, na presença de Bach, que ele gostaria de ter algumas obras para teclado para Goldberg executar, que deveriam ser de caráter suave e algo vigoroso de modo que ele pudesse ser um pouco consolado por elas em suas noites sem dormir. Bach imaginou que a melhor maneira de atender a esse desejo seria por meio de variações, cuja escrita ele considerava, até àquela data, uma tarefa ingrata devido ao fundamento harmônico repetidamente semelhante. Mas, uma vez que a essa época todos os seus trabalhos já eram padrões de arte, tais se tornaram, em suas mãos, estas variações. Mesmo assim, ele produziu um único trabalho desta espécie. Daí em diante, o conde sempre as chamava de "as suas" variações. Ele nunca se cansou delas e, por um longo período, noites sem dormir significavam: 'Caro Goldberg toque para mim uma de minhas variações'. Provavelmente Bach nunca foi tão bem recompensado por seu trabalho quanto foi neste. O conde o presenteou com um cálice de ouro com 100 luíses de ouro. Não obstante, mesmo que o presente tivesse sido mil vezes maior, seu valor artístico nunca teria sido pago."

Variações Goldberg e a “Divina Proporção”
Tese de Mestrado prova que se pode identificar a Proporção Áurea  ( a Divina Proporção )

Na cultura popular
As variações Goldberg de Johann Sebastian Bach é uma das obras mais conhecidas do compositor. Ocasionalmente aparecem em trabalhos da cultura popular.
. No contexto de uma cena particularmente aterrorizante de O Silêncio dos Inocentes, o Dr. Hannibal Lecter está a ouvir apaixonadamente uma gravação de Glenn Gould da ária com que começam e terminam as variações.
•                A mesma música é tocada nos créditos de abertura da seqüência do filme, Hannibal.
•                A ária foi tocada no filme O Paciente Inglês (1996).
•                A estrutura do filme "Trinta e Duas Curtas Metragens Sobre Glenn Gould" (1993) se baseou nas Variações Goldberg.


2 – Doença de Bechterev –

Espondilite Anquilosante – Espondiloartropatia seronegativa – Doença inflamatória crônica dolorosa e progressiva que atinge as articulações da coluna vertebral e, em especial , as inferiores( art. sacroilíacas e da região lombar) – Fator genético : HAL B27





Figura acima : Caso muito agressivo em evolução deixada livre , sem tratamento medicamentoso e fisioterápico .O prognóstico é bom se o programa de exercícios recomendado for iniciado precocemente e os medicamentos tomados quando necessários. A rigidez vertebral pode ser um problema, mas raramente é incapacitante.


3 - A Ditadura Salazarista em Portugal
                     Antônio de Oliveira Salazar foi a figura central do Estado Novo, ou seja, do Salazarismo em Portugal. Salazar foi Ministro da Fazenda e em 1932 tornou-se primeiro Ministro de Portugal, função durante a qual sustentou o país em regime ditatorial por 41 anos. Nesse período, Salazar adotou subitamente medidas em relação à economia portuguesa, acrescendo os tributos e condensando os gastos do Governo, com isso, suprimiu o saldo negativo financeiro existente no Estado. Essas ações renderam a Salazar influência e poder, tanto que ele conseguiu retirar dos militares a força que possuíam até aquele instante.

   
À frente do Governo, Salazar implantou uma nova Constituição em 1933 que constituiu o fim da Ditadura Militar e o começo da Ditadura Salazarista, essa atitude tinha como finalidade a mudança dos poderes políticos portugueses, e assim foi feito. Através da política salazarista observou-se quase de imediato a perda da liberdade de expressão, do direito à greve e à restrição da ação de alguns órgãos de poder, como a Assembléia Nacional. O poder do Presidente da República passou a ser figurativo. Nesse contexto, a autoridade estava concentrada nas mãos do Primeiro Ministro.

Algumas Características da Ditadura de Salazar:
      • A exaltação do líder, que está sempre certo nas tomadas de decisão;

      • A existência de um só partido, a União Nacional, partido do governo;

     • A Repressão através da política da Polícia Internacional de Defesa do Estado;

 • A Censura aos meios de comunicação social;

 • O Nacionalismo exacerbado;
 
• Criação da Mocidade Portuguesa: organização juvenil criada em 1936 com o intuito de orientar a juventude para os valores patrióticos e nacionalistas do Estado Novo. Observando que a inscrição era obrigatória entre os sete e os quatorzes anos;

 • O Resguardo dos valores morais e tradicionais;

 • Retirada de todo caráter reivindicatório dos trabalhadores através da política corporativista;

 • Publicação do Ato Colonial, no qual as Colônias Portuguesas existentes faziam parte integrante da Nação Portuguesa e por isso deveriam ser defendidas, civilizadas e colonizadas.

 • Política econômica protecionista que tinha por fim a redução das importações e aumento da produção do país e no investimento da construção de obras públicas.



                    O Salazarismo foi uma das mais longas ditaduras do século XX, inspiradas no modelo fascista. Durante este período Portugal viveu na censura, repressão e sob o poder autoritarista Salazarista. A ditadura chegou ao fim em 25 de Abril de 1974, derrubada pela Revolução dos Cravos, forte manifestação militar.
Por Lilian Maria Martins de Aguiar

4 – Fernando Pessoa –
(1988/1935 – 47 anos – cirrose hepática)

Ao contrário dos pseudônimos - vários nomes para uma mesma personalidade - os heterônimos constituem várias pessoas que habitam um único poeta. Cada um deles tem a sua própria biografia, sua temática poética singular e seu estilo específico. É como se eus fragmentados e múltiplos explodissem dentro do artista, gerando poesias totalmente diversas.
O próprio Fernando Pessoa explicou os seus heterônimos:
Por qualquer motivo temperamental que me não proponho analisar, nem importa que analise, construí dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribuí poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e idéias, os escreveria.
Assim têm estes poemas de Caeiro, os de Ricardo Reis e os de Álvaro de Campos que ser considerados. Não há que buscar em quaisquer deles idéias ou sentimentos meus, pois muitos deles exprimem idéias que não aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmente que os ler como estão, que é aliás como se deve ler.
Ricardo Reis  (médico)
Álvaro de Campos  (engenheiro)
Alberto Caeiro  (camponês)
Bernardo Soares (ajudante de guarda-livros)





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