terça-feira, 18 de março de 2014

"DESONRA"- APRESENTADO POR ANA L.

O Autor

 John Maxwell Coetzee nasceu na Cidade do Cabo, África do Sul, em 9 de fevereiro de 1940. Sua mãe era uma professora de escola primária e seu pai advogado e, embora os pais de Coetzee não fossem de ascendência britânica, contando com uma extensa genealogia pontuada por colonos africâneres, a língua falada em casa era o Inglês.
Coetzee recebeu sua educação primária em Cape Town e na cidade próxima de Worcester. Para o ensino secundário frequentou uma escola na Cidade do Cabo dirigido por uma ordem católica, dos Irmãos Maristas.
Entrou na Universidade da Cidade do Cabo em 1957 e, em 1960 e 1961 graduou-se, sucessivamente, com honras em Inglês e Matemática. Passou os anos 1962-1965, na Inglaterra, trabalhando como programador de computador, enquanto fazia pesquisas para uma tese sobre o romancista Inglês Ford Madox Ford.
Em 1963, casou-se e teve dois filhos. Em 1965, entrou na escola de pós-graduação da Universidade do Texas, em Austin, e, em 1968, graduou-se com um PhD em Inglês, linguística e línguas germânicas.
Durante três anos (1968-1971) Coetzee foi professor assistente de Inglês na Universidade Estadual de Nova York. Depois que um pedido de residência permanente lhe foi negado, em virtude de sua participação em protestos contra a Guerra do Vietnã, voltou à África do Sul.
De 1972 até 2000, ocupou uma série de posições na Universidade da Cidade do Cabo, a última delas como Distinguished Professor of Literature.
Entre 1984 e 2003, ensinou frequentemente nos Estados Unidos. 
Coetzee começou a escrever ficção em 1969. Escreveu obras de ficção, ensaios, ensaios sobre a cultura Africana, memórias ficcionais, palestra ficcionada e etc. Várias de suas obras foram agraciadas com prêmios, gozando o autor de grande reputação no meio literário.
Ganhou notoriedade internacional em 1980, com o lançamento de sua terceira novela (À Espera dos Bárbaros) e teve algumas de suas obras censuradas na própria Africa do Sul.
Coetzee também tem sido ativo como tradutor de literatura holandesa e africâner.
Em 2002 Coetzee emigrou para a Austrália e vive com sua parceira Dorothy, em Adelaide, onde ocupa um cargo honorário na Universidade de Adelaide.
 “Não é fácil perceber o estilo de seus livros. Sua escrita é daquelas de fluidez aparentemente simplória. Um olhar menos analítico poderia ver apenas uma prosa que não se dá excessivamente a descrições e adjetivações. Em compensação, mesmo um desatento não deixaria passar despercebido sua predileção por digressões psicológicas, precisas em sua escolha de palavras, como uma conta de matemática.
Há muitas coisas em comum a todos os seus livros: o desconforto provocado no leitor é uma delas. Coetzee constrói protagonistas sofridos, incapazes de estabelecer relações interpessoais sadias, ou mesmo constantes. Quem sabe um reflexo da própria personalidade — sua fama de esquisito e misantropo justifica a recorrência dos distúrbios de personalidade que permeiam sua obra. “
 Foi duas vezes agraciado com o prêmio Booker Prize da Grã-Bretanha, em 1983 e 1999. O Booker Prize é um galardão literário internacional atribuído de dois em dois anos a um autor de ficção, vivo, de qualquer nacionalidade, com obra publicada em língua inglesa, original ou traduzida.
Em 2003 recebeu o Prêmio Nobel de literatura e como descrito pela Academia Sueca “os livros de J.M. Coetzee são caracterizados por sua composição bem talhada e pelo brilho analítico". Vale esclarecer que ambos os prêmios procuram destacar a influência de um escritor no campo da literatura, sendo um reconhecimento do trabalho pessoal, e não de uma obra em particular.
  
África do Sul, Apartheid e pós apartheid

 A África do Sul, oficialmente República da África do Sul, é um país localizado no extremo sul da África. O país é conhecido por sua diversidade de culturas, idiomas e crenças religiosas. Onze línguas oficiais são reconhecidas pela Constituição do país. Multiétnico, o país possui as maiores comunidades de europeus, indianos e multiétnicos do continente africano. 70% da população sul-africana é constituida de  negros.  Cerca de um quarto da população do país está desempregada e vive com menos de 1,25 dólar por dia.
A Africa do sul foi colonizada, principalmente, por holandeses, ingleses, franceses, flamencos e alemães.
A descoberta de diamantes, em 1867, e de ouro, em 1884, iniciou a "Revolução Mineral" e o aumento do crescimento econômico e da imigração. Isto intensificou a subjugação dos povos indígenas pelos sul-africanos europeus.  Durante os períodos coloniais holandês e britânico, a segregação racial era majoritariamente informal.
A segregação racial vai sendo aos poucos legalmente institucionalizada, por lei, e ficou conhecida como apartheid.
O apartheid foi o conjunto de leis imposto pela minoria branca para que negros, mestiços e asiáticos vivessem separados. Embora tenha sido instuticionalizado à partir de 1948, já existiam leis anteriores a essa data.
A base do arcabouço jurídico da segregação na África do Sul:
- 1910:  A Constituição exclui negros do governo e proíbe negros de votar.
- Lei das Terras (1913) :
Determina que apenas algumas terras ( em torno de 10%) – as menos férteis – poderiam pertencer aos negros.
- Lei dos Nativos (1923):
Determina que áreas urbanas são reservadas a brancos. Os negros podiam circular, mas com um “passe”, sem o qual seriam presos e enviados à zona rural.
- 1926 – Fica vedado o acesso de negros a profissões e atividades especializadas.
- Lei do Passe (1945):
Obrigava os negros a portarem caderneta na qual estava escrito aonde eles poderiam ir
- Lei do Casamento (1949):
Proíbe o casamento inter-racial.
- Lei da Imoralidade (1950):
Proíbe relação sexual entre brancos e pessoas de outras raças.
- Lei de Registro (1950):
Classifica os sul-africanos no nascimento como brancos, negros, asiáticos e mestiços
- Lei dos Bantustões (1951):
Permite que negros sejam deportados para territórios arbitrariamente criados (Bantustões), onde eles poderiam estabelecer um governo local.
- Lei da Educação e da Reserva de Benefícios Sociais(1953):
Oficializa a separação de crianças brancas e negras (trouxe várias medidas explicitamente criadas para reduzir o nível de educação recebida pela população negra) e proíbe pessoas de diferentes etnias de usar as mesmas instalações públicas como bebedouros, banheiros e assim por diante.
- Lei de Minas e Trabalho (1956): formalizava a discriminação racial no emprego.
- Lei da Cidadania (1970):
Retira dos negros dos Bantustões a cidadania sul-africana

A África do Sul foi governada pela minoria branca durante mais de três séculos e viveu durante 46 anos sob o regime do apartheid.
Em 17 de junho de 1991, o último presidente branco do país, Frederik Willen De Klerk, revogou as últimas leis que sustentavam o sistema segregacionista.
O país se transformou em uma democracia no dia 27 de abril de 1994, quando são realizadas as primeiras eleições multiraciais, na qual se elegeu o primeiro presidente negro, Nelson Mandela.
Após o fim do apartheid, o novo regime aplicou diversas ações afirmativas visando beneficiar as vítimas do regime discriminatório. No entanto, a herança do apartheid e as desigualdades socioeconômicas que ele promoveu e sustentou prejudicaram, prejudicam e irão prejudicar a África do Sul por muitos anos.
No período pós-apartheid, o desemprego tem sido extremamente alto e o país tem lutado para lidar com as muitas mudanças. Enquanto muitos negros subiram para as classes média e alta, a taxa global de desemprego de negros piorou entre 1994 e 2003. A pobreza entre os brancos, antes rara, aumentou, contudo o padrão de vida da minoria branca ainda é melhor do que o da maioria negra.
Para o historiador José Augusto Dias Júnior, “o apartheid foi superado apenas em alguns aspectos, e a divisão pela cor ainda existe.

— Tudo aquilo ficou na cabeça das pessoas. O regime foi superado jurídica e socialmente, mas os fantasmas do período ainda assombram a África do Sul. Não se apaga tanto tempo de apartheid assim. Ele afirma que o grande avanço pós-apartheid foi a instituição de um sistema jurídico e político que está baseado na igualdade de direitos para brancos e negros”.
Segundo pesquisa elaborada pela ONU (período 1998-2000), a África do Sul foi classificada em 2o lugar em assassinatos e em 1o para assaltos e estupros per capita. As estatísticas oficiais mostram que 52 pessoas são assassinadas todos os dias. O número relatado de estupros por ano é de 55.000, mas estima-se que 500 mil estupros são cometidos anualmente no país.

O estupro é um problema comum na África do Sul, em uma pesquisa de 2009, um em cada quatro homens sul-africanos admitiram ter estuprado alguém. A África do Sul tem uma das maiores incidências de estupros de crianças e bebês no mundo. Em um levantamento realizado entre 1.500 crianças escolares no township de Soweto, um quarto de todos os meninos entrevistads disseram que "jackrolling", um termo para estupro em grupo, era algo divertido.
NOS ÚLTIMOS 10 ANOS NA ÁFRICA DO SUL:
- MAIS DE 10 LÉSBICAS FORAM ESTRUPADAS POR SEMANA SOMENTE NA CIDADE DO CABO
-150 MULHERES SÃO ESTRUPADAS TODOS OS DIAS
- DE 25 HOMENS ACUSADOS DE ESTRUPO, 24 NÃO SÃO PUNIDOS
SITUAÇÃO DA MULHER NA ÁFRICA DO SUL:
- UMA MULHER É ESTRUPADA A CADA 86 SEGUNDOS
- UMA EM CADA 3 MULHERES SERÁ VIOLADA EM SUA VIDA
- UM EM CADA 3 HOMENS VAI ESTRUPAR UMA MULHER EM SUA VIDA
- 4 MULHERES SÃO ASSASSINADAS TODOS OS DIAS, VÍTIMAS DE ALGUM TIPO DE VIOLÊNCIA
Nos últimos anos, a população branca vem sendo atingida por uma onda de violência, principalmente na zona rural, onde milhares de agricultores foram mortos.
Desde o fim do apartheid, mais de 1 milhão de brancos deixaram o país. A violência contra os brancos é tão grave, que o termo "genocídio" é usado para descrevê-la. Em 8 de Janeiro de 2012, durante a celebração do centenário do Congresso Nacional Africano, o presidente Jacob Zuma cantou uma canção que incita a violência contra a minoria branca.
Contudo, existiu e continua a existir apologistas acadêmicos para o apartheid argumentando que apesar da implementação do apartheid na África do Sul ter suas falhas, ele tinha a intenção de ser um sistema que separasse as raças, prevenindo os "Brancos" (e outras minorias) de serem "engolidos" e perderem sua identidade, mas trataria, contudo, as raças de forma justa e igual.
 Desonra 
Em Desonra, John M. Coetzee traça atráves da ficção, um retrato da condição humana no período Pós-apartheid, envolvendo o leitor, numa história desconcertante, do começo ao fim.
No livro os personagens são ficcionais, assim, não incorporam limitações. Estes são complexos, e em diversas situações agem de maneira inesperada e suas atitudes acabam por fugir à nossa compreenssão.
O narrador é o próprio personagem, David, expondo em parte seus pensamentos, muitas vezes desconfortáveis e passando por monólogos interiores.
Desonra, bem como as outras obras do autor, aborda de modo chocante e estarrecedor a violência humana, a desonra pública, a inadequação aos lugares e a incapacidade de se relacionar.
Ficar impassível diante desse livro é impossível.

Pedro Eduardo Portilho de Nader -Historiador e doutor em filosofia pela FFLCH-USP, campinas SP
“O livro de Coetzee tem sido saudado pelo estilo "seco e conciso" ou "preciso, algo lacônico e distanciado" e pela prosa "límpida e despida"; pelo "tom soturno" e pelo "enredo forte e temática atual". A crítica ressalta a "força nas palavras" em cada descrição e em cada diálogo – escrita "direta e reta", "desencanto radical" e "dureza sem concessões" são as expressões, usadas de forma reiteradamente lisonjeiras, encontradas sobre o romance.
Desonra tem sido admirado, recebendo elogios, pela crueza da linguagem e pela inflexibilidade de sua literatura A linguagem procura ser crua para marcar, assim, a realidade cruel. A literatura se pretende dura para mostrar essa realidade pontuada pelas incompreensões.
A sociedade tal como formulada em Desonra é formada e marcada por incompreensões absolutas e – por serem absolutas – insuperáveis. Os personagens são marcados pela incompreensão desde o início e não adquirem qualquer compreensão até o final. Não compreendem o outro e nem a si mesmos (agem por impulso, sem auto-compreensão). Eles não são capazes de desenvolver qualquer grau de compreensão e apresentam justificativas para essa incapacidade. Cada personagem imerge em sua própria escuridão, formada pela incompreensão completa.”

Análise do Livro Desonra realizada por Marilia Fátima Bandeira - Mestre em Literatura Inglesa pela USP, atualmente trabalhando no doutorado com as obras de J. M. Coetzee, Nadine Gordimer, Chinua Achebe e Wole Soyinka.

“Por suas peculiaridades, a África do Sul propiciou farto material para Coetzee. A representação estética produzida por ele tem como pano de fundo uma das sociedades mais violentas do mundo, na qual o estupro é um problema nacional, e onde até poucos anos os nativos eram sistematicamente submetidos à violência do Estado e da sociedade civil.
Como resultado da violência contínua e injusta, a violência está disseminada em todas as camadas da sociedade pós-apartheid, e não se encontra mais restrita ao poder do Estado.
No entendimento do autor, não haveria como os brancos saírem ilesos após tantos séculos de maus tratos contra os nativos. Os elementos possibilitadores do mal historicamente construídos na colonização agora são reelaborados pelos nativos que alcançaram o poder e pelos brancos que lá permaneceram, lavando a violência historicamente sofrida com mais violência.
Ao longo do livro David vai sendo esvaziado em sua identidade. Antes um homem bonito, cuja maior preocupação era a satisfação de seus desejos sexuais, viu-se, repentinamente, envelhecido. Sem muita disposição para jogos de sedução, mantém encontros semanais com a prostituta Soraya como meio de satisfazer suas necessidades sexuais.
Quando os encontros com Soraya cessam, ele pensa em castração. Envelhecer e morrer parece ser o único futuro de David até Melanie Isaacs, sua aluna na Universidade, surgir em sua vida.
Após ser expulso da universidade pela revelação do seu envolvimento com Melanie, o declínio de David se intensifica. David deixa a cidade decidido a passar um tempo com sua filha na fazenda que esta possui. No ambiente rural, a perda de poder de David se acentua em oposição ao ganho econômico e social obtido por Petrus, negro, ex-empregado na fazenda, atual co-proprietário. Graças aos subsídios do governo e ao conhecimento de que vivem em novos tempos, Petrus vai se firmando como uma nova classe social emergente, parte da atual raça dominante.
No entanto, fica evidenciado no romance que nem mesmo os nativos terão as mesmas oportunidades na nova sociedade.
Entre Petrus, os homens que atacaram Lucy (estupro) e David abre-se o fosso da diferença social e econômica, cujo resultado separa os homens, entre aqueles que detêm o poder e os que não encontram espaço na sociedade.
Petrus representa a nova classe média negra, resultado do poder político decorrente do fim do apartheid, cujo novo governo promove transformações em todas as esferas, especialmente por meio de subsídios para a compra de terras, a construção de casas, o plantio e, muito especialmente, por meio da equalização das oportunidades. Nem todos os negros conseguiram um lugar melhor na sociedade e nem todos puderam contar com os subsídios do governo.
O protagonista menciona a grande campanha de distribuição em curso no país. David vê a invasão de sua casa na cidade e o roubo de seus pertences como reparações. Para ele, a redistribuição elaborada pelo governo tem seu paralelo, não-oficial, nos roubos e invasões das propriedades dos brancos que aconteceram nos anos subseqüentes ao fim do apartheid. A equalização significa, na prática, uma redistribuição de rendas e oportunidades que implicará, para o homem branco, uma insegurança que ele nunca experimentou antes.
Fica claro que enquanto Petrus prospera, David se deteriora. A decadência de David é consequência das inversões de poder. De antigo detentor da autoridade que lhe era conferida pela cor e pela posição superior ocupada por um intelectual, passa a pária e indesejado.
Uma vez informado sobre a gravidez de Lucy, o protagonista quer interferir na vida e nas decisões da filha cuja escolha, no entanto, já foi feita quando ela decidiu não denunciar os estupradores e cujo desejo é viver naquelas terras custe o que custar. Está disposta a pagar o preço necessário para manter seu estilo de vida e sua paz e deseja tornar seu filho parte dessa sociedade que se reconstrói.
Além dessa questão, por si só delicadíssima, está implícita a ideia de eugenia, já mencionada pelo protagonista ao dizer que os negros desejavam misturar suas sementes com as mulheres brancas em busca de aprimoramento. A gravidez de Lucy significa, em última análise, a assimilação final do homem branco pelo homem negro, quem sabe a incorporação ritual do algoz pela vítima, graças ao concurso da miscigenação, enfim restabelecida. O tempo acaba com tudo e faz o explorador (“David”) desaparecer do mapa, definitivamente.
Petrus, que a princípio se apresenta a David como o cachorreiro, passa a proprietário da fazenda de Lucy e patriarca do lugar, pai adotivo do filho que ela espera, assumindo até mesmo sua proteção, tirando de David o direito de protegê-la. David vai perdendo espaço e acaba dedicando-se a ajudar na eutanásia e, depois, a cuidar dos corpos dos cães de Bev Shaw, tornando-se ele mesmo um dog-man.
Coetzee vai fornecendo ao leitor subsídios para compreender a situação dos brancos que ainda não aceitam de fato, as mudanças e a perda do poder. Em uma de suas conversas com David, Lucy lhe diz que precisam aceitar o fato de que para ficarem ali deverão pagar o preço e aprenderem a começar do chão.
Para ele resta somente o trabalho que pretende desenvolver sobre Byron e o apoio que encontra em Bev, de quem tornou-se amante apesar do desprezo que sentia e de considerá-la extremamente feia. Para ele, tornar-se amante de Bev era o mais claro sinal de seu declínio, no entanto, talvez, seja Bev a fazer o favor de cuidá-lo como aos cães abandonados, assistindo-o sempre e em tudo o que precisa e ajudando-o no processo de cura. Enquanto ele sente o fluido vital deixando seu corpo, Bev o recompõe. Quando ele se recupera fisicamente, oferece-lhe algo que começa como sexo e passa depois a afeto
  A ligação e a identificação de David com os cães da clínica vai sendo construída, é também através dos cães de Bev que David inicia um processo de re-humanização, quando finalmente sente-se capaz de amar.
No final, David faz da clínica a sua casa, alimenta os cães, lê, toca o banjo. Desiste, finalmente, de sua opereta.
O retorno triunfal, a volta por cima, não acontecerá. Podemos ler essa passagem como mais uma metáfora relativa ao pessimismo do autor quanto ao futuro dos brancos sul africanos, pois é categórico ao afirmar que não haverá volta triunfante, dando este capítulo da História por encerrado.
A identificação de David com os cães velhos, abandonados e aleijados reflete sua própria posição, o desânimo que o domina e sua inutilidade nos tempos atuais.
Por fim, sua desistência da vida está simbolicamente representada pelo ato de renúncia à amizade oferecida pelo cão aleijado,
Em Desonra, a família Isaacs e Petrus são os representantes de uma classe social emergente, que recebe benefícios por ações afirmativas dos governos, enquanto os rapazes estupradores representam o resultado de anos de subensino, subemprego, subvida; e a certeza de que somente o fato de serem negros não lhes garante, automaticamente, um lugar ao sol. “
O fato de Desonra ter sido escrito somente quatro anos após o fim do “apartheid” colabora tanto com a visão pessimista, quanto com o fato de que havia muitos descontentes, pois a liberdade não lhes havia trazido benefícios financeiros e sociais imediatos.
Percebe-se, igualmente, que em toda a narrativa os conceitos de civilidade e barbárie estão indefinidos, pois ambos os grupos apresentam indícios de terem em si, e em suas identidades, as duas características.
O leitor chega à última página de Disgrace sem conseguir identificar se a desonra a que se refere o título diz respeito a David, a Lucy, a Melanie, a Bev, a Petrus, aos violadores de Lucy, ou aos cães. Todos, cada um a seu modo, desonraram e foram desonrados. A ausência de um código ético definidor daquilo que é ou não permitido é o principal fator, em nossa leitura, que leva à desonra de todos.”





sexta-feira, 14 de março de 2014

"DESONRA"- REUNIÃO

J M Coetzee
DATA: 13 março 2014

LOCAL: Casa da Bia

PRESENTES: Ana (apresentadora), Bia (anfitriã), Ângela, Carmem, Marília, Luciana, Maria Célia, Marilena, Nena, Karla, Neusa (mãe da Karla), Bernadete (irmã da Bia), Zezé, Terezinha Acioly, Thereza Matos, Teresa Lírio, Vera Malta, Sylvia, Regina, Rosete e eu, Vera Correa. Registramos a estreia e valiosa participação de Vera Malta.
   
AVISOS E AJUSTES: Em vista de já estarmos em meados de março e de se aproximarem viagens e torneios, deliberamos que a sessão de abril será o evento ANITA GARIBALDI, do Clube Internacional, no dia 27 deste mês. Decidimos também que, em virtude do feriado de 1º. de maio e do próximo dia das mães, o encontro de maio será antecipado para 24 de abril.

“HOUSTON, ESTAMOS COM UM PROBLEMA”: Com o crescimento do grupo em todos os sentidos, principalmente na maturidade e interesse de participação, e também com o empenho das apresentadoras por fazerem trabalhos profundos e extensos, nossos encontros não estão cabendo no tempo previsto. É o que eu chamo de um bom problema. Para evitar os atropelos e para viabilizar que o debate flua com mais proveito, proponho que estudemos ajustes. Proponho que neste sábado e domingo, depois dos jogos de tênis, por volta das 11 horas, em mesas em frente ao Cunhado, onde sempre as “raquetes” se reúnem, cuidemos desse assunto. Estão todas convidadas.

APRESENTAÇÃO E DEBATE DO LIVRO: O livro do mês, DESONRA, foi dos mais rejeitados pelo grupo e seu debate, dos mais acalorados e proveitosos. Ana, a apresentadora, fez extenso e completo trabalho de pesquisa sobre história da África do Sul, raízes do apartheid, o pós-apartheid, economia do país, grupos étnicos, problemas sociais, críticas de estudiosos sobre o livro e muito mais que não coube no tempo disponível. O trabalho da Ana foi distribuído entre as presentes e será postado no blog. Muitas das participantes deram sua contribuição ao debate de forma madura e construtiva, provando o crescimento do grupo.

MIMOS E AGRADOS: Nossa anfitriã, Bia, nos brindou com um delicioso lanche e maravilhosas lembrancinhas.  

sábado, 1 de março de 2014

"DESONRA"- PRÓXIMO LIVRO

TÍTULO: DESONRA 
AUTOR: J. M. COETZEE
DIA DA REUNIÃO : 13/03/2014
LOCAL: CASA DA BIA
HORÁRIO: 18 HS
APRESENTADORA: ANA
COMPAREÇA !!!!!!!!
                                                                                                                               

sábado, 15 de fevereiro de 2014

OS CATADORES DE CONCHAS - APRESENTADO POR KARLA E ZEZÉ

CORNUALHA: GEOGRAFIA e HISTÓRIA
Cornualha em inglês, Cornwall,  é um condado que fica numa península no sudoeste do Reino Unido. Tem fronteiras com o Oceano Atlântico ao norte, com o Canal da Mancha ao sul, e a leste, com o condado de Devon, depois do rio Tamar. Juntamente com as ilhas Sorlingas, a Cornualha tem uma população de 534 300 habitantes, cobrindo uma área de 3563 km². O centro administrativo, e única cidade, é Truro.1
O título correto do condado é Ducado da Cornualha. O Duque de Cornualha é outro título do Príncipe de Gales.
A área hoje conhecida como Cornualha foi habitada na idade do Ferro, pelos celtas. A Cornualha é parte da área britanica (céltica) da Grã-Bretanha, separada de Gales após a batalha de Deorham, que entrava comumente em conflito com o reino inglês em expansão de Wessex. Só em 936 d.C., o rei Athelstan viria a definir a fronteira entre os povos inglês e córnico pelo rio Tamar. Hoje, a economia da Cornualha depara-se com o declínio das atividades mineiras e piscatórias, tendo-se tornado mais dependente do turismo. A área é conhecida pelas suas paisagens selvagens, a sua variada e extensa costa e o seu clima ameno.
A Cornualha é lar do povo córnico e da sua diáspora (dispersão de povos por perseguição por motivos políticos ou religiosos), sendo considerada uma das seis "Nações Celtas" por muitos residentes e académicos. O condado mantém a sua identidade distinta com a sua história, língua e cultura próprias. Muitos habitantes questionam o atual estatuto constitucional da Cornualha, existindo já um movimento autonomista em busca de maior independência para a região no seio do Reino Unido.
Nos finais do II milénio a.C., houve uma descontinuidade cultural na região indicando uma possível invasão ou imigração. O estanho existente na região era procurado para adicionar cobre e obter bronze. Os galeses já conheciam o processo de extração de minério.
SOBRE A AUTORA
Rosamunde Pilcher, OBE (Cornuália, 22 de Setembro de 1924) é uma escritora inglesa e foi encorajada a escrever desde pequena. Tinha 15 anos quando deflagrou a Segunda Guerra Mundial. Terminou os estudos e trabalhou durante um ano no serviço Real Naval. Rosamunde Pilcher escreveu ininterruptamente durante todos estes anos para várias revistas e publicou mais de uma dezena de livros. Pilcher edita o seu primeiro livro, Half-way to the Moon, em 1949, usando o pseudônimo Jane Fraser e só após dez títulos optou pelo uso do seu nome. A Secret to Tell, publicado em 1955, é o primeiro dos vinte e três romances que escreve já sob o seu nome. “Os Catadores de Conchas” foi publicado em 1988 aos 64 anos de idade. Apesar da sua carreira de escritora ter cessado em 2000, até os dias de hoje é bem prestigiada por suas obras. Atualmente vive na Escócia, onde se dedica à literatura e à família. Seu filho também é escritor.
Títulos publicados sob o pseudônimo de Jane Fraser:
  • Half-way to the Moon (1949)
  • The Brown Fields (1951)
  • Dangerous Intruder (1951)
  • Young Bar (1952)
  • A Day Like Spring (1968)
  • Dear Tom (1954)
  • Bridge of Corvie (1956)
  • A Family Affair (1958)
  • A Long Way From Home (1963)
  • The Keeper’s House (1963)
Títulos publicados sob seu nome:
  • A Secret to Tell (1955)
  • April (1957)
  • My Own (1965)
  • Sleeping Tiger (O Tigre Adormecido, 1967)
  • Another View (O Outro Lado do Amor, 1969)
  • The End of The Summer (Fim de Verão, 1971)
  • Snow in April (Um Encontro Inesperado, (1972)
  • The Empty House (A Casa Vazia, 1973)
  • The Day of Storm (O Dia da Tempestade, 1975)
  • Under Gemini (Sob o Signo de Gêmeos, 1976)
  • Wild Mountain Thyme (Montanhas Silvestres, 1978)
  • The Carousel (O Carrossel, 1982)
  • Voices in Summer (Vozes de Verão, 1984)
  • The Blue Bedroom and Other Stories (O Quarto Azul e outros contos, 1985)
  • The Shell Seekers (Os Catadores de Conchas, 1988)
  • September (Setembro, 1990)
  • Flowers in the Rain and Other Stories (Flores na Chuva e outros contos, 1991)
  • The Blackberry Day (1991)
  • Coming Home (O Regresso, 1995)
  • Love Stories (Introdução, 1996)
  • The World of Rosamunde Pilcher (1996)
  • Christmas with Rosamunde Pilcher (1998)
  • "Victoria" (1999)
  • Winter Solstice (Solstício de Inverno, 2000)
A HISTÓRIA EM SI:
Rosamunde Pilcher publicou Os Catadores de Conchas aos 64 anos de idade. Embora seja ousadia afirmar que a idade de uma pessoa é diretamente proporcional ao seu nível de maturidade, qualquer leitor que se dispuser a ouvir a história contada pela autora há de concordar com isto: Rosamunde nos presenteou com um romance impregnado por um aroma de sensatez e experiência. Sem que precisasse recorrer a estratagemas comerciais de forma a cativar aqueles que a leem, a romancista construiu, com precisão milimétrica, uma história de caráter profundamente coerente. Ler Os Catadores de Conchas traz, como consequência, uma voraz identificação com os personagens descritos, as situações vividas e as sensações experimentadas. É a realidade desenhada como tem de ser: simples, modesta e belíssima.
De uma forma geral, o livro conta a história da família Keeling. Penelope, a matriarca desse grupo singular, é filha de um pintor falecido, cujas obras repentinamente adquirem um valor considerável no mercado de leilões. Penelope ganhou do pai o belíssimo quadro Os catadores de conchas, que ocupa lugar de destaque em sua pequena residência. A personagem não é totalmente cônscia da quantidade extraordinária de dinheiro que ganharia ao vender a pintura e tem demasiado apego à obra para vendê-la, preferindo mantê-la à vista na reservada comodidade do seu lar. Tal decisão, por parte de Penelope, desperta reações distintas em seus três filhos – Nancy, Noel e Olivia -, sendo que os dois primeiros estão dispostos a argumentar com a mãe até que ela se renda e venda o quadro. Esse é o pilar central da história. Contudo, Os Catadores de Conchas tem, exatamente, 700 páginas. Como desenvolver essa questão simples em tantos e tantos parágrafos?

Muito simples. Além de não se ater à linearidade dos fatos, fazendo constantes passeios ao passado, Rosamunde Pilcher pouco recorre aos grandes fatos e reviravoltas, apegando-se às particularidades do cotidiano e da rotina. Na maior parte de sua narrativa, a autora nos entretém com comentários, as vezes repetitivos, sobre o almoço e as flores, o chá e o ritual de manuseio de ferramentas de jardinagem. A experiência de Rosamunde permite que ela prive esses acontecimentos do cotidiano do seu semblante enfadonho; sob a ação da magia da autora, cada ação se volve em um pequeno espetáculo da vida, em um pequeno detalhe que torna a própria existência mais bela.

Assim, embora siga fielmente a proposta original da sua trama, Os Catadores de Conchas contém, em suas entrelinhas, um tom filosófico. Não é algo aparente, porque a narrativa poucas vezes parte rumo a devaneios e digressões, mas algo que precisa ser sutilmente captado pelo leitor atento e curioso. Enquanto nos descreve  as minúcias da vida de suas personagens, Rosamunde constrói um invisível tratado sobre a beleza das pequenas coisas e dos minúsculos prazeres. Seu romance é dotado de uma elegância sem precedentes: se alguém lesse toda a extensão d'Os Catadores de Conchas em voz alta, provavelmente usaria um tom grave e contido, mas melodioso, sem histerias agudas. A própria constituição do livro nos desacelera a respiração, surpreendentemente.

Na minha opinião, o luxo é a satisfação total e simultânea dos cinco sentidos. Estou aquecida e, se quiser, posso estender a mão e tocar a sua. Sinto o cheiro do mar e também que, dentro do hotel, alguém está fritando cebolas. Um aroma delicioso. Estou saboreando cerveja gelada e posso ouvir as gaivotas, a água batendo e o motor do barco de pesca fazendo tchuc-tchuc-tchuc, de uma forma extremamente agradável.”

Bálsamo que é, o livro não agradará a todos os tipos de leitores. É possível que aqueles acostumados às narrações mais agitadas e fantasiosas sintam-se limitados com a narração comedida e sorridente de Rosamunde, mas é tudo uma questão de treino. É facílimo rejeitar Os Catadores de Conchas sumariamente, mas é muito mais construtivo treinar a própria percepção e o próprio inconsciente para receber a mensagem de paz e tranquilidade que o livro transmite ao decorrer de sua longa e lenta narrativa. Leva-se um tempo para concluir a leitura da obra, mas acreditem: a autora nos tira uma película da pupila quando finalmente finda sua história. Se a mensagem for corretamente absorvida, as flores ao seu redor tornar-se-ão mais bonitas. O café no final da tarde assumirá um significado mais profundo e sinfônico. A rotina se renovará.

E é por isso que Os Catadores de Conchas, como toda boa literatura, perturba. Fá-lo, todavia, com sutileza e afeição: perturba-nos porque nos faz perceber que, diariamente, à nossa volta, ocorre um luminoso espetáculo de pequenos deleites e experiências agradáveis e sequer nos damos conta disso.
Discussão do livro:
Legados de família:
Escambo e desapego:


sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

"OS CATADORES DE CONCHAS " - REUNIÃO


Dia: 30 janeiro de 2014
Presenças: Ana, Andyara, Angela, Carmen, Karla, Luciana, Luzimar, Maria Célia, Marilena, Marília, Regina, Sylvia, Teresa Lírio, Thereza Matos, Vera e Zezé. 
Eleuza enviou mensagem e artigos para a Feira de Trocas. Nena e Thaís justificaram as ausências.
Anfitriã: T. Matos
Lanche: Regina, Sylvia, Eleusa, Carmen e Thereza Matos
Apresentação: Karla e Zezé fizeram excelente trabalho de pesquisa, principalmente da geografia da Cornualha, região que se torna praticamente um "personagem" do livro. (Documento será postado no blog www.livroseraquetes.blogspot.com). 
Dias antes do encontro, as apresentadoras lançaram questões para refletirmos, no tocante a legados em nossas próprias famílias, o que proporcionou vários depoimentos e debates. Os depoimentos pessoais, apresentados por escrito, serão postados no blog.

Avisos e Ajustes:  A fim de enriquecer o debate e a percepção do livro lido,  propomos que, daqui pra frente, cada uma de nós prepare um brevíssimo apontamento daquilo que lhe chamar atenção na leitura. Cada uma tem uma formação profissional, uma vivência pessoal, uma atividade de lazer diferente e, certamente, a leitura suscita em cada uma uma percepção diversa. Nem sempre o calor do debate permite que todas se expressem: duas horas é muito pouco para o tanto que gostaríamos de partilhar. As mais tímidas se retraem diante das mais falantes e quem perde é o grupo. Assim, vamos fazer mais uma tentativa de enriquecimento: façam uma breve nota daquilo que lhes tocar na leitura, ok?

Atividade paralela e correlata:  Foi um sucesso o Bazar, que virou uma feira de trocas. Ninguém pôs preço nos artigos e dava pra ver  como cada "doador" ficava feliz de ver que um seu objeto tinha sido escolhido. Algumas pessoas não tiveram oportunidade de fazer "limpa" nos armários ou não ocorreu a outras levar livros, CDs, DVDs. Quando quiserem, faremos outra Feira de Trocas.

Leitoras