quinta-feira, 4 de abril de 2013

"LEITE DERRAMADO"- APRESENTADO POR LUCIANA L.



AUTOR: CHICO BUARQUE DE HOLLANDA
Data: 04 abril 2013
Local: Casa da Luciana Leão

Apresentadora: Luciana Leão
Presenças:  Angela, Bia Coimbra, Luciana Leão, Maria Célia, Marília Leão, Regina Luz, Teresa Lírio, Rosete, Sylvia, Thereza Matos, Vera Correa




Apresentação

Sumário
1 – Sobre o Autor 2
Festivais de MPB. 2
Teatro. 2
A crítica à Ditadura. 3
Parceiros e Interpretes. 3
Literatura. 3
2 – Resenha do livro LEITE DERRAMADO.. 4
3 – Músicas com composição de Chico Buarque. 5
CONSTRUÇÃO.. 5
JOÃO E MARIA.. 6
IOLANDA –. 7
O QUE SERÁ.. 8
MINHA HISTÓRIA.. 9
APESAR DE VOCÊ.. 10
RODA VIVA.. 11
MULHERES DE ATENAS.. 12





Francisco Buarque de Hollanda, conhecido como Chico Buarque, nasceu no Rio de Janeiro em 19 de junho de 1944, é um músico, dramaturgo e escritor brasileiro. Filho de Sérgio Buarque de Holanda, um importante historiador e jornalista brasileiro e de Maria Amélia Cesário Alvim, pintora e pianista.

Casou-se com e separou-se da atriz Marieta Severo, com quem teve três filhas: Sílvia, que é atriz e casada com Chico Diaz, Helena, casada com o percussionista Carlinhos Brown e Luísa. É irmão das cantoras Miúcha, Ana de Hollanda e Cristina. Ao contrário do que tem sido propagado na internet, Aurélio Buarque era apenas um primo distante do pai de Chico.
Em 1946, passou a morar em São Paulo, onde o pai assumira a direção do Museu do Ipiranga. Sempre revelou interesses pela música - interesse que foi bastante reforçado pela convivência com intelectuais como Vinicius de Moraes e outros.
Em 1953, Sérgio Buarque de Holanda foi convidado para lecionar na Universidade de Roma, consequentemente, a família muda-se para a Itália. Chico torna-se trilíngue, na escola fala inglês, e nas ruas, italiano. Nessa época, suas primeiras "marchinhas de carnaval" são compostas, e, com as irmãs mais novas, Piiizinha, Cristina e Ana, encenadas.
De volta ao Brasil, produz suas primeiras crônicas. Chico Buarque chegou a ingressar no curso de Arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU) em 1963. Cursou dois anos e parou em 1965, quando começou a se dedicar à carreira artística.
Iniciou sua carreira na década de 1960, destacando-se em 1966, quando venceu, com a canção A Banda, o Festival de Música Popular Brasileira. Em 1969, com a crescente repressão da Ditadura Militar no Brasil, se auto exilou na Itália, tornando-se, ao retornar, um dos artistas mais ativos na crítica política e na luta pela democratização do Brasil.

Festivais de MPB


Conheceu Elis Regina, que havia vencido o Festival de Música Popular Brasileira (1965) com a canção Arrastão, mas a cantora acabou desistindo de gravá-lo devido à impaciência com a timidez do compositor. Chico Buarque revelou-se ao público brasileiro quando ganhou o mesmo Festival, no ano seguinte (1966), transmitido pela TV Record, com A Banda, interpretada por Nara Leão (empatou em primeiro lugar com Disparada, de Geraldo Vandré). No entanto, Zuza Homem de Mello, no livro A Era dos Festivais - Uma Parábola, revelou que a banda venceu o festival. O musicólogo preservou por décadas as folhas de votação do festival. Nelas, consta que a música da banda ganhou a competição por 7 a 5. Chico, ao perceber que ganharia, foi até o presidente da comissão e disse não aceitar a derrota de Disparada. Caso isso acontecesse, iria na mesma hora entregar o prêmio ao concorrente.
No festival de 1967 faria sucesso também com Roda Viva, interpretada por ele e pelo grupo MPB-4, amigos e intérpretes de muitas de suas canções. Em 1968 voltou a vencer outro Festival, o III Festival Internacional da Canção da TV Globo. Como compositor, em parceira com Tom Jobim, com a canção Sabiá. Mas desta vez a vitória foi contestada pelo público, que preferiu a canção que ficou em segundo lugar: Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré.

Teatro


Musicou as peças Morte e Vida Severina e o infantil Os Saltimbancos. Escreveu também várias peças de teatro, entre elas Roda Viva (proibida), Gota d'Água, Calabar (proibida) e Ópera do malandro.

A crítica à Ditadura


Ameaçado pelo Regime Militar no Brasil, esteve exilado na Itália em 1969, onde chegou a fazer espetáculos com Toquinho. Nessa época teve suas canções Apesar de você e Cálice censuradas pela censura brasileira. Adotou o pseudônimo de Julinho da Adelaide, com o qual compôs apenas três canções: "Milagre Brasileiro", "Acorda amor" e "Jorge Maravilha".
Ao voltar ao Brasil continuou com composições que denunciavam aspectos sociais, econômicos e culturais, como a célebre Construção ou a divertida Partido Alto. Apresentou-se com Caetano Veloso (que também foi exilado, mas na Inglaterra) e Maria Bethânia. Teve outra de suas músicas associada a críticas a um presidente do Brasil. Julinho da Adelaide, aliás, não era só um pseudônimo, mas sim a forma que o compositor encontrou para driblar a censura, então implacável ao perceber seu nome nos créditos de uma música. Para completar a farsa e dar-lhe ares de veracidade, Julinho da Adelaide chegou a ter cédula de identidade e até mesmo a conceder entrevista a um jornal da época.
Uma das canções de Chico Buarque que criticam a ditadura é uma carta em forma de música, uma carta musicada que ele fez em homenagem ao Augusto Boal, que vivia no exílio, quando o Brasil ainda vivia sob a ditadura militar. A canção se chama "Meu Caro Amigo" e foi dirigida a Boal, que na época estava exilado em Lisboa. A canção foi lançada originalmente num disco de título quase igual, chamado Meus Caros Amigos, do ano de 1976.

Parceiros e Interpretes


Desde muito jovem, conquistou reconhecimento de crítica e público tão logo os primeiros trabalhos foram apresentados. Ao longo da carreira foi parceiro como compositor e intérprete de vários dos maiores artistas da Música Popular Brasileira como Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Toquinho, Milton Nascimento e Caetano Veloso. Os parceiros mais constantes são Francis Hime e Edu Lobo. Como interpretes de suas canções temos: Oswaldo Montenegro, Elis Regina. Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Simone, Cauby Peixoto, Engenheiros do Havaí, Ângela Maria, Rolando Boldrin, Pena Branca e Xavantinho, entre outros.

Literatura


Chico Buarque sempre se destacou como cronista nos tempos de colégio; seu primeiro livro foi publicado em 1966, trazendo os manuscritos das primeiras composições e o conto Ulisses, e ainda uma crônica de Carlos Drummond de Andrade sobre A Banda. Em 1974, escreve a novela pecuária Fazenda modelo e, em 1979, Chapeuzinho Amarelo, um livro-poema para crianças. A bordo do Rui Barbosa foi escrito em 1963 ou 1964 e publicado em 1981. Em 1991, publica o romance Estorvo e, quatro anos depois, escreve o livro Benjamim. Em 2004, o romance Budapeste ganha o Prêmio Jabuti de melhor Livro de Ficção do ano. Em 2009, lança o livro Leite Derramado. Oficialmente, a vendagem mínima de seus livros é de 500 mil exemplares no Brasil.




Um ótimo livro narrado por um homem centenário que conta desde seus ancestrais até os dias de hoje relacionando também com os acontecimentos históricos no Brasil. Leite derramado significa o tempo perdido e irrecuperável da vida deste homem. É um romance poderoso sobre a história, a memória, a posse e o amor. O cenário da estória é a cidade do Rio de Janeiro. O livro nos apresenta a retrospectiva de vida do personagem principal, Eulálio d´Assumpção, que começa a sua história em cima de uma maca se dirigindo a enfermeira que o atende num hospital público, onde as pessoas ficam largadas nos corredores, retratando a real situação da saúde brasileira. Um velho senil que se perde entre o passado e o presente, confunde personagens da história, fatos e lugares. Com cem anos de idade, Eulálio de D´Assumpção ainda conserva o orgulho de pertencer a um tradicional tronco de famílias brasileiras. Seu bisavô teria chegado com a família real portuguesa. Na sua árvore genealógica figurariam grandes fortunas do império que teriam transitado pelos corredores do poder. O velhinho, apesar de arruinado, sem plano de saúde e morando em um quarto de favor em uma favela não se dá por vencido e ainda brada sua origem pelas repartições, tentando retornar o tempo perdido, o leite derramado. As pessoas não dão mais importância às tradições de famílias, principalmente as que não têm mais dinheiro. O autor retrata de forma bastante cáustica a decadência das grandes famílias e tenho a impressão de que ele faz um pouco de ironia a si mesmo. Todos sabem que os Buarque de Hollanda, vem de uma antiga linhagem pernambucana, com senadores no império como Hollanda Cavalcanti. Os Gonçalves Moreira, de sua avó paterna também vêm de uma linhagem que envolve tradicionais famílias mineiras e ramos paulistas. Sua mãe, também não fica atrás, com os Álvaro Alvin, uma antiga família mineira que controlou o poder político no estado. É possível que o Chico tenha ouvido durante toda a sua infância as velhas histórias dos seus antepassados, com suas glórias, poder, dinheiro e escravos. O livro, por seu turno, retrata o apego das velhas famílias aos valores tradicionais que tentam viver do passado e da pureza inexistente da “raça”, ignorando as mulheres índias e negras que ajudaram a compor a sua genealogia. A saga da família Assumpção acompanha a história do Brasil nos séculos XIX e XX, sendo neste último a decadência. Pessimista, o autor não somente empobreceu o personagem, como transformou os seus descendentes em marginais na sociedade moderna. De grandes importadores de armas, proprietários de terras e políticos influentes, foram parar na favela, vivendo do tráfico de cocaína. A saga dos Assumpção é a visão de futuro do autor, ao prever uma sociedade cada vez mais decadente, com valores conflitando com o crime organizado e a necessidade de sobrevivência.
Eulálio, e’ um velho moribundo que nas páginas vira menino inocente, jovem irresponsável, adulto ganancioso, sem nunca deixar de ser um homem apaixonado. Na história de seu amor perdido, ele perde também o poder, o dinheiro e a juventude. Há algo de melancolia no livro, uma constatação cabisbaixa que a vida não se satisfaz em nos tirar a forma do corpo, os fios de cabelo, o brilho da pele, a vida faz questão, às vezes, de, antes de ir embora, nos tirar a própria dignidade. A morte é o destino trágico de todas as vidas que, mesmo assim ou por isso mesmo, não precisam ser tão previsíveis e lineares. Podemos começar, terminar, recomeçar, parar no meio, voltar para outro ponto, como a memória caprichosa do velho personagem, como o texto perfeito de Chico Buarque. Cíclico, melancólico e irresistível como o próprio ato de viver.  O livro e’ de
se deleitar com as passagens cotidianas, com as traições e com as demonstrações de poderio da família que teve contato com a corte portuguesa, com o império brasileiro, com a república, com o senado, onde todos os Eulálios tiraram fotos de calças curta. Eulálio não sabe se o tataraneto é seu tataraneto, mas lhe ensinou o que sabia. Mas, sua filha acredita que não é ele seu bisneto. Ao longo da narrativa, Chico Buarque mostra as virtudes e, principalmente, os defeitos de uma família que já teve tudo, mas que hoje precisa sobreviver à base do dinheiro de um traficante ou da boa vontade de um pastor do subúrbio. Um ponto interessante do livro e’ que, além do fato do paciente ser um idoso, bastante vivido, alguns personagens, como sua esposa Matilde, tiveram diversos “finais”, o que faz o leitor não saber exatamente o que aconteceu com eles. Aí vem a parte da imaginação, e um livro que traz nossa imaginação à tona, contando fatos sem esclarecê-los com exatidão é sempre fantástico. Pois é… ficamos sem conseguir ter certeza do que realmente aconteceu em sua história. O único fato que fica claro é que ele era um nobre e sua família entrou em decadência. Nem mesmo temos certeza se as pessoas com as quais ele conversa estão a seu lado, vivas ou presentes. Agora, curioso é observar como, mesmo com a fortuna escassa, suas atitudes ainda são de quem possui algum bem ou nome a zelar. O livro consegue fazer isso com a sociedade: expô-la em seu mais profundo âmbito, fazendo o leitor transportar a história para seus dias atuais e ver que ela se encaixa, que a sociedade até pode evoluir, mas a essência humana ainda caminha em passos lentos rumo à sua melhoria. Resumindo: Leite Derramado e’ uma saga familiar caracterizada pela decadência social e econômica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos e é muito bom se esparramar nas suas páginas,  entremeando concomitantemente aos textos, os versos do Chico, pois temos a impressão foi de um livro musicalizado, onde além de ler, cantamos o livro.

CONSTRUÇÃO (1971) - Artisticamente impecável. Todas as frases da canção terminam com uma palavra proparoxítona de três sílabas. Essas palavras se alternam nas três partes da música, formando uma construção poética e musical de forte impacto. Como se não bastasse, é a história de um pedreiro que se achava importante demais em sua construção. Só que, ao cair da obra, ele morreu na contramão atrapalhando o sábado, grande lição sobre a relatividade da importância da própria vida. Coisa de gênio, sem dúvida. E fica ainda melhor agregada com Deus lhe Pague no final, relatando o desencarnar da alma do pobre coitado.
Construção
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague

JOÃO E MARIA (com Sivuca, 1977) - Agora eu era o herói, e o meu cavalo só falava inglês, cantava Chico e Nara Leão. A melodia medieval composta pelo Sivuca mede a exata sensibilidade de letra de Chico. Um casamento perfeito, como o daquelas duas crianças do enredo da história que brincavam de rei e rainha, contada pelo narrador relembrando os tempos de nostalgia perdida.
João e Maria
Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava o rock para as matinês
Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país
Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido
Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?

IOLANDA – Musica do cubano Pablo Milanés que ganhou interpretações em vários países. No Brasil a versão foi feita por Chico Buarque. O autor cubano, chateado por ter que viajar e se afastar da mulher e da filha recém-nascida, quando regressou trouxe na bagagem a letra e a melodia de uma explicita declaração de amor.
Iolanda
Esta canção não é mais que mais uma canção
Quem dera fosse uma declaração de amor
Romântica, sem procurar a justa forma
Do que lhe vem de forma assim tão caudalosa
Te amo,
te amo,
eternamente te amo
Se me faltares, nem por isso eu morro
Se é pra morrer, quero morrer contigo
Minha solidão se sente acompanhada
Por isso às vezes sei que necessito
Teu colo,
teu colo,
eternamente teu colo
Quando te vi, eu bem que estava certo
De que me sentiria descoberto
A minha pele vais despindo aos poucos
Me abres o peito quando me acumulas
De amores,
de amores,
eternamente de amores
Se alguma vez me sinto derrotado
Eu abro mão do sol de cada dia
Rezando o credo que tu me ensinaste
Olho teu rosto e digo à ventania
Iolanda, Iolanda, eternamente Iolanda

O QUE SERÁ (1976) - Para o filme Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto. É a música certa para crises existenciais, quando você fica triste por tudo de bom que poderia ter ocorrido nesse país, e que você sabe que não vai mais ocorrer. E mesmo o padre eterno que nunca foi lá, olhando aquele inferno vai abençoar. Cantada com o Milton Nascimento, o que faz dela ainda melhor.
O Que Será
O que será que será
Que andam suspirando
Pelas alcovas?
Que andam sussurrando
Em versos e trovas?
Que andam combinando
No breu das tocas?
Que anda nas cabeças,
Anda nas bocas?
Que andam acendendo
Velas nos becos?
Estão falando alto
Pelos botecos
E gritam nos mercados
Que com certeza
Está na natureza
Será, que será?
O que não tem certeza
Nem nunca terá!
O que não tem conserto
Nem nunca terá!
O que não tem tamanho...
O que será que Será?
Que vive nas ideias
Desses amantes
Que cantam os poetas
Mais delirantes
Que juram os profetas
Embriagados
Está na romaria
Dos mutilados
Está nas fantasias
Dos infelizes
Está no dia a dia
Das meretrizes
No plano dos bandidos
Dos desvalidos
Em todos os sentidos
Será? Que será?
O que não tem decência
Nem nunca terá!
O que não tem censura
Nem nunca terá!
O que não faz sentido...
O que será? Que será?
Que todos os avisos
Não vão evitar
Porque todos os risos
Vão desafiar
Porque todos os sinos
Irão repicar
Porque todos os hinos
Irão consagrar
E todos os meninos
Vão desembestar
E todos os destinos
Irão se encontrar
E mesmo padre eterno
Que nunca foi lá
Olhando aquele inferno
Vai abençoar!
O que não tem governo
Nem nunca terá!
O que não tem vergonha
Nem nunca terá!
O que não tem juízo...(2x)

MINHA HISTÓRIA (versão de Chico Buarque em 1970) - Canção italiana com versão em português de Chico. Um marinheiro deixou a minha mãe parada, pregada na pedra do porto, com seu único e velho vestido cada dia mais curto. O único sinal do marinheiro é a criança que ela dá a luz, o narrador da história. A mãe, frustrada com a ausência do homem que a amou por uma noite apenas, cria o filho no ambiente do cais e dá a ele o nome de Menino Jesus. Some o órgão ao fundo e vocais do MPB4, e você tem uma dos mais magníficos exemplos de sensibilidade humana.
Minha História
Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar
Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar
Sei que tinha tatuagem no braço e dourado no dente
E minha mãe se entregou a esse homem perdidamente, laiá, laiá, laiá, laiá
Ele assim como veio partiu não se sabe prá onde
E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe
Esperando, parada, pregada na pedra do porto
Com seu único velho vestido, cada dia mais curto, laiá, laiá, laiá, laiá
Quando enfim eu nasci, minha mãe embrulhou-me num manto
Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo
Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher
Me ninava cantando cantigas de cabaré, laiá, laiá, laiá, laiá
Minha mãe não tardou alertar toda a vizinhança
A mostrar que ali estava bem mais que uma simples criança
E não sei bem se por ironia ou se por amor
Resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor, laiá, laiá, laiá, laiá
Minha história e esse nome que ainda carrego comigo
Quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá, laiá, laiá

APESAR DE VOCÊ (1970) - A mais singela homenagem ao ditador Emílio Garrastazu Médici. Samba clássico, aliado ao duplo sentido antológico da letra, que fala de um sujeito que tenta desencanar de um fora e que pode ser entendida como um “tua hora vai chegar” para a Ditadura Militar. Composta em 1970, passou pela censura e o single começou a vender horrores. Junção impecável de melodia, letra e relevância. Provavelmente a mais importante música de Chico Buarque de Hollanda.
Apesar De Você
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal
La, laiá, la laiá, la laiá

RODA VIVA (1967) - Composta para a peça de mesmo nome escrita pelo próprio Chico. Também casa com perfeição a música, e a letra com a relevância história. Um samba cíclico: por mais que as boas coisas simples da vida – o samba, a viola, a mulata, a roseira – tentassem se impor, eis que chega a Roda Viva, e carrega o destino pra lá. A Roda Viva, é claro, era a Ditadura Militar. Foi ao som dessa música que os mackenzistas do CCC – Comando de Caça aos Comunistas – se juntaram à polícia e invadiram o teatro Galpão, onde era encenada a peça, e bateram nos atores e destruíram o cenário. Roda Viva conta com a sempre bem-vinda participação especial do MPB4 nos vocais de fundo. Trilha sonora pras inúmeras rodas vivas que desde então a gente tenta jogar pra lá.
Roda Viva
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...(4x)

MULHERES DE ATENAS - música foi composta por Chico Buarque e Augusto Boal em 1976, para a peça Mulheres de Atenas de Augusto Boal. Na época em que a música foi lançada, muitas mulheres intelectuais consideraram-na machista. Não conseguiram perceber a inteligente ironia do texto... Onde se lê “Mirem-se...” sugere-se que se faça o contrário; dessa forma, o texto é um hino contra a submissão das mulheres que se sujeitam às regras ditadas pelas sociedades patriarcais, tanto na ditadura, como fora dela. Ao relatar a história das mulheres dos guerreiros da Atenas antiga, a letra é ora feminista, ora feminina apenas.
Mulheres de Atenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos
Orgulho e raça de Atenas
Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem imploram
Mais duras penas; cadenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos
Poder e força de Atenas
Quando eles embarcam soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam, sedentos
Querem arrancar, violentos
Carícias plenas, obscenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos
Bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar um carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas, Helenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas:
Geram pros seus maridos,
Os novos filhos de Atenas.
Elas não têm gosto ou vontade,
Nem defeito, nem qualidade;
Têm medo apenas.
Não tem sonhos, só tem presságios.
O seu homem, mares, naufrágios...
Lindas sirenas, morenas.
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos
Heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas
Serenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos
Orgulho e raça de Atenas
“Sim, porque ninguém mais cantou o que quer uma mulher como Chico Buarque.”



Leitoras