quinta-feira, 21 de maio de 2015

Dupla Falta, Lionel Shriver - Apresentação de Teresa Lirio



Proponho como um primeiro momento do debate focarmos no livro e conversarmos sobre o que achamos da trama, dos personagens, da forma como a historia foi contada, da qualidade e das especificidades literárias do texto.   Fiz uma pesquisa sobre a autora, e a partir de entrevistas e artigos,  gostaria de pensar com vocês a relação entre a escritora e sua obra.

A seguir, acho que seria interessante tratarmos dos temas que nos despertaram interesse. Algumas sugestões:
- A competição, a inveja, a compulsão, o pavor do fracasso.
-A influência da família; Casamento x  sexo/romance/erotismo
- Sucesso x fracasso.  O sentido do esporte em geral e  especialmente do tênis, que nos é tão familiar. Tênis x alienação; Tênis x personalidade: Relação de mão dupla?  Tênis x identidade de gênero. Desvantagem das mulheres devido a força física maior nos homens? Outros fatores? Culpa por ganhar?  Estratégias de treinamento. Tênis x paixão/controle.  Tênis x erotismo/agressividade.

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Achei a leitura de Dupla Falta desconfortável, em muitos momentos irritante.  É insuportável a convivência com alguém constantemente tomado  pela inveja, que não aguenta ver no outro algo que deseja e não possui, que tenta desqualificar e estragar o bom do  outro e, não conseguindo ataca a si próprio, desqualificando-se.   
Quero fazer uma ressalva:  achei difícil de ler, mas o tempo todo pensava que o livro seria muito bom de discutir. 
Não gostei da trama, nem dos personagens. As famílias representadas inicialmente como contribuindo para os desajustes dos filhos,  depois são apresentadas  como acolhedoras . Willy me parecia escravizada a um passado (anã que tinha que provar sua capacidade), presentificado em um superego cruel, tirano, exigente, que deprecia tudo o que não for absoluto. Não sabemos muito de seus pais, mas Willy parecia  não  contar internamente com a presença amorosa dos pais.  O pai está mais presente, mas como alguém que não lhe apoiou, que ela vê como um fracassado, e pior,  que torce pelo seu fracasso.
Ela vive uma competição ferrenha com o marido, e assombrada  pela possibilidade de perder para ele,  vai se desesperando até fracassar totalmente.  Me perguntei como se constituiu esse superego tão severo?  Do pavor de ficar como seu pai?  Da sociedade americana, onde a existência está  dividida entre perdedores e ganhadores? E o Eric? Irritante  quando era arrogante, e mais ainda quando ficou bonzinho... Ele queria o troféu de melhor marido?

Essas foram as minhas primeiras impressões, mas a medida que fui conhecendo a autora e  acompanhando a sua trajetória, fui compondo melhor os personagens, construindo um olhar diferente e a repulsa inicial transformou-se em interesse e curiosidade;  senti-me mais íntima dos personagens,  estimulada a “viajar”, imaginando suas motivações e angústias.
Assim, em meu novo olhar, a inveja e a competição deixam o protagonismo;  são sentimentos decorrentes de seu pavor do fracasso, esse sim elemento determinante da trama .
Quanto ao título,  terá sido uma dupla falta no sentido de Willy ter perdido a segunda chance de ser feliz,  ao abortar?  Por ter perdido seus dois amores , o tênis e o marido? Ou ainda, fracassado duplamente, ao tentar com o triunfo no tênis, tamponar a “falta” que resulta da realização da incompletude vivida como condenação à não  existência ? Aqui, falo de forma condensada sobre a teoria psicanalítica da castração e de uma associação entre tênis/pênis/falo.

Sobre a autora:
Lionel Shriver  nasceu nos Estados Unidos , na Carolina do Norte em 1957.  Sua família era profundamente religiosa, seu pai um pastor protestante. Filha do meio entre dois irmãos,  até os quinze anos era    Margaret Ann Shriver, quando resolveu mudar o seu  nome. Sobre isso disse em  2007 em uma entrevista (*) publicada no “The Guardian” : “Eu era um Tomboy.  Eu cresci com meus irmãos e escolhi um nome de menino. “
Formada e Graduada na Universidade de Columbia, viveu em Nairóbi, Bangcoc e Belfast antes de se mudar para Londres, onde é colunista do jornal The Guardian.  Divide seu tempo entre Londres e Nova lorque, é best-seller americana e jornalista.
Livros publicados:
-  So Much for That;
-  The Female of the Species;
-  Checker and the Derailleurs;
-  Ordinary Decent Criminals;
-  Game Control;
-  A Perfectly Good Family;
-  The New Republic;
Livros Traduzidos:
-  O mundo pós-aniversário;
-  Dupla falta;
-  Precisamos falar sobre Kevin;
- Grande Irmão
Demorou muito tempo para fazer sucesso, o que aconteceu com o livro “Vamos falar sobre Kevin” que virou filme; com ele,  ela conquistou o Orange Prize.

Lionel, aborda em seus livros temas  variados: sistema de saúde, infidelidade, relações familiares, e diz que gosta de escrever sobre personagens que não são amados e de tratar dos problemas da sociedade americana, porque  em sua opinião eles antecipam os problemas do mundo.
Em suas entrevistas e artigos fala muito de sua vida pessoal, de sua infância, de seu casamento, e também reflete sobre a ligação entre sua vida  e sua obra.
Ela diz que seus livros não são autobiográficos, mas que certamente seus personagens se beneficiam de suas relações familiares /afetivas. Diz que seus  livros são como um exercício emocional. Por exemplo, em 2009 escreveu o livro Grande Irmão depois da morte do seu irmão por obesidade mórbida com 180 quilos. Em sua estória, uma mulher recebe o irmão obeso, e tem que escolher entre o marido e o irmão e escolhe cuidar do irmão. Ela diz que não sabe se conseguiria cuidar do irmão caso fosse possível, mas certamente se sentiu incomodada por não ter podido ajuda-lo. Em sua estória vive essa possibilidade, tal qual em um sonho ,   tentando  lidar com angustias e, criando situações para elabora-las.

Em 2011, em uma  outra entrevista   (**) ela diz que sua ficção parte sempre de uma questão real que tem - em "Kevin", a decisão de ter ou não ter um filho, e em "O mundo pós-aniversário", a de trair ou não o marido . Fiquei com a impressão que em Dupla Falta Lionel pratica muitíssimo esse exercício emocional…. e que os personagens Willy e Eric encarnam suas fantasias, suas questões, seus conflitos, suas angústias….

Na insegurança de Willy, em sua necessidade de triunfar, no seu desejo de ser um menino ( talvez para não se submeter ao pai todo poderoso), encontramos Ann Margaret...

Lionel disse na entrevista de 2007(*)  que em sua família havia uma linha muito tênue entre seu pai e  Deus . Contou que quando ela tinha 12 anos  e anunciou que não iria à igreja, seu pai literalmente a agarrou pelos cabelos  e a arrastou para dentro do carro. Essa situação  perdurou ate os seus  16 anos, quando ele não pôde mais fazer isso.

Nessa entrevista nos fala também de como se sentia feia, desinteressante e alvo de gozação . Mas que agora, olhando para trás, sente-se grata, pois é algo semelhante a ter um fracasso retumbante como novelista por tantos anos. Ter tido a experiência de ser discriminada a fez compreender o quão condicionais  são as afeiçoes do mundo.


Aos 15 anos, tomou a decisão de mudar de nome e fez uma correção nos dentes. Passou a sentir-se normal.

A entrevistadora, Lynn Barber,  em 2007   a descreve como magra e andrógina com um corpo musculoso e mãos calejadas. Diz que  Lionel vestia roupas de Tomboy, carregava uma mochila nas costas, e contou a ela que tinha vindo  pedalando de sua casa ainda com as roupas da festa da noite  anterior. Que quando era criança não costumava ser convidada para festas, e quando era,  terminava a noite conversando com as pessoas  do buffet. Mas na festa do dia anterior todos queriam falar com ela. Pensava que contar com isso era uma coisa perigosa pois do mesmo jeito que essa atenção lhe era dada poderia ser  retirada.  Antes de Kevin ela nunca tinha dado entrevistas, ninguém estava interessado.....
Em suas palavras: “ Assim, quando me sinto inclinada a me queixar tento me lembrar o quanto eu me queixava  antes por não ter publicidade. Mas então eu decido continuar me queixando mesmo assim,  porque acho que esse é um dos grandes prazeres do mundo”.

Outro exercício emocional, talvez diga respeito a questão maternidade/ profissão:

Ainda segundo a entrevistadora , Lionel contou que em seus anos  trinta ela se apaixonou por um escritor de não ficção com quem viveu dez anos.  Mas sua mãe a aconselhou a não ter filhos pois eles prejudicariam seu casamento.   Contudo, na época ela não queria mesmo crianças. A partir dos quarenta, com o tempo correndo, ela começou a pensar novamente sobre  maternidade e o resultado foi “Kevin”. Ao ser perguntada se caso  tivesse tido sucesso mais cedo ,  teria tido mais vontade de ter filhos, respondeu que  o motivo pelo qual nunca pensou seriamente em ter filhos é que sempre esteve  envolvida com seu projeto de se tornar uma novelista, e isso produzia uma adolescência estendida.

Atualmente, podemos dizer  que Lionel obteve o triunfo que Willy tanto perseguia.

O prêmio Orange lhe rendeu £30,000, fora o  que contribuiu para a venda de seus livros. Entretanto Lionel continuava até 2007 morando no mesmo apartamento; dizia que grandes quantidades de dinheiro a deixavam mal, que não se imaginava andando a procura de propriedades para comprar, achava isso uma perda de tempo.  Andava de bicicleta para todos os cantos , comprava suas roupas em brechós, e se recusava a ter um celular. Enfim, não gastava dinheiro. Não saia para comer fora porque  gostava de cozinhar a própria comida; ninguém conseguia fazê-la com o tempero que gostava. Não deixa o aquecimento ligado o dia todo, nem no inverno. Considera-se muito fixada  em reciclar, não pra salvar o planeta e sim porque gosta mesmo de economizar, usar e usar de novo.... Também com a lavanderia  é muito econômica, não gosta de lavar roupas....usa as mesmas roupas por toda a semana.....
Sabe que se tornou excêntrica, mas gosta de ser assim....
Aqui encontramos  o despojamento/arrogância(?)   do Eric?

Fiquei curiosa sobre Lionel Shriver hoje, e encontrei no artigo – “Eu era pobre mas era feliz”  publicado no The Guardian(***)  em novembro  de 2014 reflexões sobre a sua vida, já em uma época de maturidade.  Questiona uma visão passiva e estática da felicidade. Diz que felicidade não é um estado, um ponto de chegada, mas sim uma trajetória. Associa felicidade com energia, com estar interessada, ter planos. Fala das dificuldades pelas quais passou ao longo da vida, mas hoje sabe que era feliz apesar de tudo, pois vivia intensamente e buscava seus objetivos.
Acho que Lionel teve uma trajetória movimentada. Passei a admirar essa autora que conseguiu motivar o interesse de tantos leitores pelo mundo afora pelos mais diversos temas.

 Em meu entendimento , o tema central de Dupla falta  é a impossibilidade de Willy de viver de forma criativa, habitando o presente, com liberdade para fazer suas escolhas e evoluir com suas experiências.  Disso resultou a não realização de suas potencialidades  e o empobrecimento de sua vida afetiva levando-a a um viver compulsivo e atormentado.  No caso,  essa dinâmica envolveu o tênis, mas poderia ter acontecido em outros cenários -  Drogas, trabalho, dança, musica ....

Ao final, considerei a leitura muito válida, justamente por nos estimular a pensar sobre a condição humana, sobre sentimentos e desejos que em algum grau estão presentes  em todas nós, e principalmente sobre a importância de estarmos sempre vivendo de forma a nos enriquecermos com nossas experiências.
Teresa Lirio


Deixo os links para as entrevistas, caso vocês tenham interesse em conhecer melhor Lionel Shriver e sua obra.


 (*)We need to talk ...

Books The Observer

Artigo de Lynn Barber sobre Lionel Shriver publicado em 22 de abril de 2007 no The Guardian

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(**) – Entrevista publicada no Jornal O Globo em 14/07/2011
Em 'Dupla falta', que chega ao Brasil, Lionel Shriver aborda a competição entre homens e mulheres

POR CRISTINA TARDÁGUILA /

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(***) Lionel Shriver: I was poor but I was happy

Artigo publicado no the Guardian – 14/11/2014





domingo, 10 de maio de 2015

Sugestões de livros para os próximos encontros

lista atualizada em 10/05
1) O Fio da Vida - Kate Atkinson - (Rosete)
2) A Sonata de kreutzer - liev Tolstoi - ( Vera Malta)
3) A Casa dos Budas Ditosos - João Ubaldo Ribeiro- (Vera Corrêa)
4) A Casa do Céu - Amanda Lindhout- (karla Haje)
5) A Amiga Genial - Elena Ferrante - (karla Haje)
6) Interpreter   of Maladies- Jumpha Lahiri - (Luciana Leão)
7) O Guardião de Memórias - Kim Edwards ( Teresinha Acioly)
8) No Teu Deserto - Miguel de souza Tavares ( Sônia Helena)
9) Eu Sou  Malala  - Malala Yousafsai e Christina Lamb -  ( Teresa Matos)
10) A trégua - Mario Benedetti. ( Angela Banhos)
11) Americanah - Chimamanda - Ngozi Adichie ( Marilena)
12) A Doçura do Mundo - Thrity Umrigar ( Marilena)

Leitoras