“Livros e
Raquetes”: o livro “Sári Vermelho” de Javier Moro
A minha
participação neste encontro é para abordar alguns aspectos políticos, sociais e
militares da Índia. A leitura do Sári Vermelho atiça a nossa curiosidade para
sabermos um pouco mais de sua história e das dificuldades que a Índia enfrentou
e ainda enfrenta nos dias atuais.
A Índia
A maior
democracia do mundo com mais de 1,2 bilhões de habitantes, a Índia é uma
República Federal, constitucional e de regime parlamentarista.
Está situada ao
sul do continente asiático no chamado Subcontinente Indiano. É o sétimo país em
extensão. Sua capital é Nova Deli e suas línguas oficiais são o híndi e o
inglês.
Faz fronteiras
com o Paquistão a oeste; com a China, Nepal e Butão ao norte; Miamar e
Blangladesh a leste e com Sri Lanka e Maldivas ao sul, no oceânico Índico.
A Formação da Nacionalidade,
a Religião e o Sistema de Castas
A história
indiana é milenar. Nasceu com a mudança para a vida sedentária dos habitantes
do vale do rio Indu a partir de 3300 aC. Formaram o primeiro núcleo urbano.
Entre os anos 1500
e 500 aC surgem os textos Vedas que vão servir de base ao extenso sistema de
escrituras sagradas do hinduísmo e pautar o comportamento indiano. Os preceitos religiosos do Vedismo
deram origem às religiões hinduísta, budista, jainista, sikhista, entre outras,
e à instituição do Sistema de Castas. A sociedade se dividia em quatro classes
principais e os intocáveis:
- Brâmanes: os sacerdotes
e os letrados a quem cabiam as orientações espirituais e intelectuais;
- Xátrias: os guerreiros
e governantes, responsáveis pela condução política e militar;
- Vaixas: os camponeses
e comerciantes. Aqueles que conduziam as atividades econômicas;
- Sudras: casta
inferior constituídas por servos, braçais e escravos que realizavam as
atividades de manutenção da sociedade.
Os intocáveis,
os Dalits, eram os párias, renegados, que não pertenciam a nenhuma classe
social. Eram considerados indignos e a eles cabiam as tarefas desprezadas pelas
castas.
Esse sistema,
banido pela Constituição da Índia de 1950, ainda é hoje praticado por razões
culturais e religiosas e influencia o atual estado político/sócio/econômico do
País.
O Império
Mauria, de 300 a 200 aC, foi o primeiro império a unificar toda a Índia. Com a
sua decadência iniciam-se as rotas de comercialização (200 aC a 200 dC) ligando-a
a Europa pelos continentes. Estes foram os primórdios das Grandes Navegações
entre o Oriente e Ocidente. Desenvolvidas na Idade Média, com a chegada da
Idade Moderna possibilitaram os Grandes Descobrimentos incluindo o das
Américas.
Como importante
entreposto comercial a Índia esteve sob o domínio português de 1512 a 1603.
Foi incorporada pela
Companhia Britânica das Índias Orientais no século XVIII (1756/1857) e a partir
do século XIX (1857/1947) a Coroa Britânica dissolve a Companhia e assume o
governo direto da Índia.
Luta pela Independência ou
contra a ocupação inglesa
A existência de
etnias, religiões e culturas diferentes produziram uma nação complexa e de
difícil administração.
Podemos dizer
que a história recente da Índia tem seu início com os primeiros movimentos pela
sua independência organizados em Bengala e com o recém-criado Partido do
Congresso Nacional Indiano (1885) de maioria esmagadora hindu a representá-los.
Em contraposição foi criada a Liga Muçulmana (1906), que se precavia ante uma
liderança do movimento exclusivamente hindu que poderia prejudicá-los na
formação do pretenso novo governo. Convém destacar que havia um objetivo comum
às duas organizações: a independência da Índia.
A partir da
década de 20, com o retorno de Mohandas Karamchand Gandhi à India, o movimento
para a independência se intensifica com o apoio do Partido do Congresso. É
adotada a luta de não violência e de
resistência civil pacífica capitaneada por Mohandas K Gandhi, o Mahatma Gandhi,
e secundada por Jawaharlal Nehru.
Como sabemos, Jawaharlal
Nehru vem a ser o pai de Indira Ghandi, sogra de Sônia, personagem principal do
“Sári Vermelho”. Filho de um rico advogado e político indiano, Motilal Nehru, Nehru tornou-se um líder da ala esquerdista do Partido do Congresso Nacional Indiano, quando ainda era bastante jovem influenciado por sua formação
intelectual em Londres e, principalmente, pela militânica no movimento pela
independência liderado pelo carismático Mahatma Gandhi.
Durante a II
Guerra Mundial, 1938 a 1945, a Inglaterra já se encontrava em situação delicada
na manutenção de seu Império Indiano. A luta social se tornava intensa e
fatalmente desfavorável. Os britânicos, esperando contar com o efetivo militar
considerável que a Índia dispunha, acenou com a concordância de sua
independência em troca de sua participação na guerra. Em que pese o pensamento
contrário da liderança do movimento da desobediência civil, Gandhi e Nehru, a
Índia participou com um grande efetivo a favor dos aliados (mais de 2,5 milhões
de combatentes).
Os muçulmanos
constituíam a minoria de maior representatividade da nação. Um de seus
principais líderes, Muhammad Ali Jinnah, lutava
pelos direitos das minorias participando das campanhas de Mahatma Gandhi mas deixando
clara a sua intenção de constituírem governos autônomos após a independência.
Finalmente a 15
de agosto de 1947 foram concedidas as independências da Índia e do Paquistão
passando a fazer parte da Comunidade Britânica. Foi a chamada “partição” da
Índia que reflete até hoje no relacionamento entre os dois países.
Jinnah tornou-se
o primeiro mandatário do Paquistão e Jawaharlal Nehru foi o primeiro primeiro-ministro da Índia
e governou de 1947 a 1964.
Alguns tópicos que marcaram ou ainda marcam a
política interna e externa da Índia.
Questão Interna, Episódios
de Gujarat
O Governo da
República da Índia é laico. 75% da população professa o Induísmo e 15% o
Islamismo (seus seguidores são os muçulmanos). O restante se divide entre as
outras religiões.
Firmemente
influenciadas por lideranças religiosas, cada uma acaba por levar a extremismos
a atuação de parcela de seus seguidores. Enquanto o islamismo tem o seu livro
sagrado “Al Corão”, Alah o seu único Deus e Maomé o seu profeta, o hinduísmo
cultua outras divindades e até a natureza, os valores e as crenças dos diversos
povos de sua formação. Este fator, por si só, é motivo suficiente para o
desentendimento.
O surgimento do
Partido do Povo Indiano (Bharatiya Janata Party), na década de 80, aglutinou a
direita hindu e projetou o seu líder político Narendra Modi no cenário
nacional. O confronto étnico/religioso ocorrido em 2002 no Estado de Gujarat,
fartamente contado no Sári Vermelho, justifica a tensão existente na região. Modi
era o governador do Estado e teria se omitido nada fazendo para evitar os
massacres.
Questão Bangladesh
O Paquistão era
um País descontínuo, dividido em duas partes. Paquistão Ocidental e Paquistão
Oriental. Professam a mesma religião islâmica mas tem cultura, economia e até o
aspecto físico diferentes.
O Paquistão
Oriental, fruto da “partição”, sempre se identificou com o vizinho estado de
Bengala da República da Índia. Formavam uma mesma “Nação Bengali” apesar de
predominarem religiões distintas em cada região, hinduísmo e islamismo.
Em 1971, após
rebeliões na parte oriental na busca de sua independência, o Paquistão
Ocidental declarou guerra ao Oriental que contava com a simpatia e apoio da
Índia. Pela fronteira entre a Índia e o Paquistão Oriental milhões de
paquistaneses buscaram abrigo. A Primeira Ministra à época, Indira Gandhi,
decidiu pela guerra contra o Paquistão Ocidental dando pleno apoio ao vizinho
em dificuldades. A Índia saiu vencedora e o Paquistão Oriental ganhou sua
independência passando a se chamar República Popular de Bangladesh. Neste
episódio enquanto os EUA apoiaram politicamente o Paquistão a URSS se posicionou
favorável à Índia.
Questao da Caxemira
Por motivações semelhantes
à Questão de Bangladesh, a Índia e o Paquistão diversas vezes disputaram o
controle da Caxemira. Mais uma vez o fator preponderante foi o religioso. É
claro que não podemos desprezar o aspecto geopolítico daquela área. Desde o final
do processo de independência, a Índia, de maioria hindu e Paquistão, de maioria
muçulmana disputaram a região que é de maioria muçulmana.
Para a Índia a
Caxemira a ela pertence pelo acordo feito pelo Marajá Hari Singh, o Primeiro-ministro
Jawaharlal Nehru e o Vice-rei Lord
Mountbatten, segundo o qual o antigo Principado de Jammu e a Caxemira tornavam-se
partes integrantes da União da Índia através do
instrumento de adesão. Também alega que a religião não é um fator importante na
governança política de um país laico. Dá como exemplo a sua própria
administração composta por membros de diversas religiões: católica, muçulmana,
sikh e hindu. A família Nehru é oriunda da Caxemira.
Para o Paquistão
a Caxemira deve fazer parte de seu País por que: a maioria de seus habitantes é
muçulmana; o Marajá Singh não era um líder popular (era considerado como um
tirano pela maioria dos caxemires); a insurreição popular demonstra que o povo
da Caxemira não quer mais permanecer como parte da Índia.
À época o mundo
vivia a dicotomia da Guerra Fria instituída no pós-guerra.
A Índia, de
governo centro-esquerda, contava com a simpatia da União Soviética. Do outro
lado os Estados Unidos tinham no Paquistão um aliado importante na área. Para
as duas grandes potências o controle da Caxemira representava muito mais.
Representava uma fronteira estratégica com a China.
.Até hoje a
Questão da Caxemira não está resolvida. A Índia detém 47% de sua área,
Paquistão 37% e a China 20%. Um detalhe importante: essas nações são potências
nucleares!
A Política
Externa da Índia em relação aos Estados Unidos foi sempre cautelosa não só por
causa da Questão da Caxemira e Bangladesh, mas também pelo posicionamento do Partido
do Congresso em diversas ocasiões.
Em 2008 a Índia
e os Estados Unidos assinaram um Pacto Nuclear com o objetivo de ampliar a
cooperação no desenvolvimento da tecnologia nuclear e aumentar os esforços pela
não proliferação de armas nucleares.
A Índia de hoje
Provável oitavo
PIB mundial em 2014 (Brasil estaria em quinto) a Índia teve, a partir de 1991,
uma das maiores taxas de crescimento do mundo a despeito de suas numerosas
dificuldades internas.
Como
acompanhamos na leitura do Sári Vermelho, muitos foram os esforços para levar o
País ao desenvolvimento. Foram felizes em priorizar o emprego da tecnologia e
no preparo de quadros, mas as dificuldades advindas de sua formação multiétnica
e arraigada presença religiosa criam uma barreira quase que intransponível à
quebra dos paradigmas necessários à implantação de uma política econômica
moderna.
A taxa de
analfabetismo beira os 25%. A favelização cresce. A distribuição de renda é desigual.
O culto religioso exacerbado produz conflitos sociais intensos.
Já vimos o
Sistemas de Castas anteriormente. A consequência inevitável é a perpetuação do
poder principalmente quando se trata de regiões longínquas, atrasadas e
dominadas por uma cultura praticamente tribal. Assim, os representantes na dita
democracia se perpetuam dando continuidade aos interesses da classe dominante.
Vimos isso
claramente no livro. Até mesmo no interior da casa da família Nehru-Gandhi a
cultura de castas é preservada em nome da política e, bem sabemos, o Sistema de
Castas foi banido pela Constituição da Índia em 1950.
Também vimos que
a corrupção se manifesta de diversas maneiras. Foram constantes as acusações da
oposição como também é inegável o sistema patrimonialista da utilização do
governo no atendimento aos interesses políticos e eleitoreiros. Exemplo maior é
o de Sanjay. A cegueira de Indira diante da atuação de seu filho é algo
impressionante.
Episódios de
intolerância ainda são comuns na Índia de hoje. A imprensa internacional tem
destacado atos de chacinas, estupros coletivos e outras violências praticadas. A
Revista Veja desta semana traz mais uma destas notícias.
Apesar de todas
estas mazelas a Índia caminha firmemente na direção do desenvolvimento.
Participa com o Brasil,
Rússia, China e África do Sul do grupo BRICS, organismo internacional de
fomento para o desenvolvimento destes países. No próximo mês, em Fortaleza, os
chefes de estado estarão reunidos para mais um encontro em busca de soluções
para a redução da pobreza em seus países.
Situação Política Atual
Nas eleições
gerais do mês passado sagrou-se vencedor nas urnas o Partido do Povo Indiano (Partido
Nacionalista Hindu ou Bharatiya Janata Party) conquistando a maioria das
cadeiras do Congresso.
Vejam a recente notícia
veiculada pela imprensa:
“Eleições na
Índia dão vitória avassaladora a nacionalistas”
“A coalizão oposicionista NDA conquistou maioria no
Parlamento, abrindo o caminho para a indicação do hindu Narendra Modi como
primeiro-ministro. Conhecido como religioso linha dura, ele promete sanar a
economia do país.”
“Os resultados iniciais das apurações das eleições parlamentares na Índia indicam, nesta sexta-feira
(16/05), a vitória histórica do partido nacionalista hindu Bharatiya Janata
Party (BJP). O líder da sigla oposicionista, Narendra Modi, deverá ser o novo
primeiro-ministro do país, encerrando a longa dominância da dinastia Gandhi no
poder.”
Nahendra Modi,
já nomeado Primeiro Ministro, é aquele político que governou o Estado de Gujarat
em 2002 quando aconteceu o massacre de muçulmanos. Governou por três mandatos
esse próspero Estado.
“O BJP está à frente em 277 das 537 zonas
eleitorais apuradas, de acordo com a comissão eleitoral. Assim, já ultrapassou
sozinho a maioria necessária a um partido ou coalizão para constituir governo,
que é de 272 dos 543 assentos do Parlamento. O partido do Congresso Nacional
Indiano (INC, na sigla em inglês), que ainda governa o país, foi massacrado nas
urnas, só obtendo 46 postos parlamentares.”
“Segundo a emissora indiana NDTV, a Aliança
Democrática Nacional (NDA), formada pelo BJP e parceiros, teria conquistado um
total de 340 assentos, contra apenas 58 para a Aliança Progressista Unida
(UPA), a coalizão governista secular encabeçada pelo INC.”
O Governo
anterior não tinha a maioria absoluta. Governou em coalizão com outros partidos
menores.
“O líder e fundador do BJP, L.K. Advani, considerou
o resultado das eleições um veredicto contra a dinastia Gandhi, que há anos
lidera o INC. A campanha da aliança governista foi liderada pelo
vice-presidente do partido, Rahul Gandhi, de 43 anos, e sua mãe, Sonia Gandhi.”
Durante toda a
história da Índia independente, 67 anos, a dinastia Nerhu-Gandhi esteve fora do
poder por tão somente 11 anos. Esse último governo foi iniciado em 2004.
“O
governo da UPA vinha enfrentando sérias críticas por não conseguir impulsionar a
combalida economia nacional nem deter a inflação. Além disso, sua credibilidade
estava abalada por escândalos de corrupção.
O resultado das eleições parlamentares é visto como
um aval ao carismático, porém controverso, Narendra Modi. Ele promete reavivar
a economia, criar novos empregos e trazer investimentos ao país, que apresenta
o índice de crescimento mais baixo dos últimos dez anos. Devido a seu passado
de linha dura religiosa ele é visto com desconfiança pelos 150 milhões de
muçulmanos do país.”
Conclusões:
O Sistemas de
Castas, teoricamente banido, foi perpetuado pela cultura indiana. A busca de
uma melhor distribuição de rendas e menor desigualdade social é prejudicada
pela dificuldade de haver a mobilidade social. É um óbice ao desenvolvimento
que se potencializa quando adicionamos o fator religioso.
Devoção
religiosa exacerbada, bolsões de pobreza e manipulação política quando juntas,
podem tornar a situação explosiva. Este é um receio permanente em algumas áreas
da Índia e seus vizinhos.
Não podemos
esquecer que do outro lado do Paquistão se encontra o Afeganistão, país que
abriga organizações extremistas conduzidas por fanáticos religiosos (santuário
de terroristas?).
Mesmo com estes
óbices a Índia é o segundo país do BRICS de maior crescimento do PIB e busca intensivamente
a melhoria do seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
O recente resultado
das eleições na Índia está sendo acompanhado com interesse pela comunidade
internacional tendo em vista os desdobramentos possíveis.
O encontro do
Primeiro-ministro Narendra Modi na sua posse com lideranças paquistanesas
(nunca havida nos 67 anos da “partição”) e de Bangladesh trazem esperanças para
o fim do legado de desconfiança mútua que reina na região.
As reformas
estruturais tão almejadas, inclusive a política, ainda não foram realizadas.
Isto poderia ajudar a mitigar os enormes desequilíbrios regionais existentes.
Sobre Javier
Moro: autor da biografia não autorizada de Sônia Gandhi, enfrentou, ou ainda
enfrenta, os processos contra a publicação do Sári Vermelho. O livro não teria
até hoje a autorização para sua circulação na Índia.
Uma amenidade: noticia
publicada na Internet divulgou que Sonia Gandhi, rica, bonita e poderosa estaria
de caso novo. Não diz com quem...
Sobre vocês: “Livros
e Raquetes”.
Tenho lido
alguns dos livros recomendados por vocês entre outros “A Confissão da Leoa”,
“Desonra”, “O Arroz de Palma” e “O Banqueiro dos Pobres”. É sempre marcante a
presença da mulher, vítima ou estrela. Partilho a preocupação de vocês com o ocorre
ainda hoje no mundo. Felizmente os acontecimentos estão sendo amplamente
divulgados e têm tido a reprovação geral.
Minha admiração
pelo “Livros e Raquetes”, pela feliz escolha dos livros e pelo papel que as
mulheres desempenham em nossas vidas!
Mário
Muito bom! Lucro nosso.
ResponderExcluirEm nosso debate de O SÁRI VERMELHO, do autor Javier Moro, Teresa e Luciano Lírio falaram de um conceito psicanalítico que nos ajuda a entender os conflitos raciais, religiosos e de casta presentes no livro. Aqui está o que Teresa resumiu para nós.
ResponderExcluir“Vera, como prometido, segue o desenvolvimento do conceito de “narcisismo das pequenas diferenças”.
Freud introduziu o conceito de narcisismo, valendo-se do mito grego de Narciso, para falar de um destino do investimento libidinal, no qual o próprio ego torna-se o objeto. (Lembrando que Narciso é aquele que se apaixona por sua imagem, e morre de inanição, pois tudo o mais, inclusive a sua sobrevivência, passa a não importar, tamanha a paixão... Isso alude ao empobrecimento que resulta quando há o predomínio do aspecto narcísico.).
Narcisismo também se refere a uma fase do desenvolvimento humano, quando o outro ainda não existe como um ser diferenciado, e sim como uma extensão do sujeito, para atender as suas necessidades e desejos. A alteridade, o reconhecimento dos limites, a diferenciação de um outro com vida própria e, portanto, com diferenças é um processo que implica a superação narcísica e o desenvolvimento da capacidade de investimento amoroso no outro, o estabelecimento de laços afetivos e a convivência com o diferente.
Mas o narcisismo é uma fase necessária, pois ele propicia a coesão, a integridade, a constituição do EU. Precisamos ter tido as nossas necessidades narcísicas atendidas, precisamos ter sido o centro das atenções, sido tudo para um outro... Freud se refere a “sua majestade o bebê”, para exemplificar essa vivência plena, que faz parte da história de todos nós, e nos deixa nostálgicos, buscando reencontrar isso de alguma maneira... Enfim, precisamos viver isso para termos a segurança e a coragem de amar um outro. Quando ficamos feridos e decepcionados no amor, nos recolhemos e nos fechamos, daí temos o narcisismo também como uma defesa diante da dor.
Freud utilizou-se desse conceito complexo na esfera do psiquismo individual para aplicá-lo à psicologia dos grupos e pensar os movimentos culturais. Criou o termo “narcisismo de pequenas diferenças” para falar das intolerâncias étnicas, raciais, religiosas. É o ódio ao semelhante, a intolerância com o que está mais perto de nós e que ameaça a nossa identidade enquanto grupo. É quando achamos que tudo de bom está conosco e tudo de ruim com o outro. Ele fala também de como esse ódio ao estranho termina por unificar e tornar mais coeso o grupo dos iguais. Assim, buscar agressores fora serve para unir os grupos, e os líderes políticos terminam por tirar partido disso, incitando a violência com os de fora para terem mais controle e domínio do seu grupo. Aliás, vimos isso retratado com clareza no livro O SARI VERMELHO.
Freud com a palavra:
(O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO (1930 [1929]), Vol. XXI, da Standard Edition, tradução inglesa de James Strachey ):
“…Evidentemente, não é fácil aos homens abandonar a satisfação dessa inclinação para a agressão. Sem ela, eles não se sentem confortáveis. A vantagem que um grupo cultural, comparativamente pequeno, oferece, concedendo a esse instinto um escoadouro sob a forma de hostilidade contra intrusos, não é nada desprezível. É sempre possível unir um considerável número de pessoas no amor, enquanto sobrarem outras pessoas para receberem as manifestações de sua agressividade. Em outra ocasião, examinei o fenômeno no qual são precisamente comunidades com territórios adjacentes, e mutuamente relacionadas também sob outros aspectos, que se empenham em rixas constantes, ridicularizando-se umas às outras, como os espanhóis e os portugueses por exemplo, os alemães do Norte e os alemães do Sul, os ingleses e os escoceses, e assim por diante. Dei a esse fenômeno o nome de ‘narcisismo das pequenas diferenças’, denominação que não ajuda muito a explicá-lo. Agora podemos ver que se trata de uma satisfação conveniente e relativamente inócua da inclinação para a agressão, através da qual a coesão entre os membros da comunidade é tornada mais fácil… “”
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