terça-feira, 1 de julho de 2014

O SARI VERMELHO- TERCEIRA PARTE - APRESENTADO POR MÁRIO C.

“Livros e Raquetes”: o livro “Sári Vermelho” de Javier Moro

A minha participação neste encontro é para abordar alguns aspectos políticos, sociais e militares da Índia. A leitura do Sári Vermelho atiça a nossa curiosidade para sabermos um pouco mais de sua história e das dificuldades que a Índia enfrentou e ainda enfrenta nos dias atuais.
A Índia
A maior democracia do mundo com mais de 1,2 bilhões de habitantes, a Índia é uma República Federal, constitucional e de regime parlamentarista.
Está situada ao sul do continente asiático no chamado Subcontinente Indiano. É o sétimo país em extensão. Sua capital é Nova Deli e suas línguas oficiais são o híndi e o inglês.
Faz fronteiras com o Paquistão a oeste; com a China, Nepal e Butão ao norte; Miamar e Blangladesh a leste e com Sri Lanka e Maldivas ao sul, no oceânico Índico.
A Formação da Nacionalidade, a Religião e o Sistema de Castas
A história indiana é milenar. Nasceu com a mudança para a vida sedentária dos habitantes do vale do rio Indu a partir de 3300 aC. Formaram o primeiro núcleo urbano.
Entre os anos 1500 e 500 aC surgem os textos Vedas que vão servir de base ao extenso sistema de escrituras sagradas do hinduísmo e pautar o comportamento indiano. Os preceitos religiosos do Vedismo deram origem às religiões hinduísta, budista, jainista, sikhista, entre outras, e à instituição do Sistema de Castas. A sociedade se dividia em quatro classes principais e os intocáveis:
- Brâmanes: os sacerdotes e os letrados a quem cabiam as orientações espirituais e intelectuais;
- Xátrias: os guerreiros e governantes, responsáveis pela condução política e militar;
- Vaixas: os camponeses e comerciantes. Aqueles que conduziam as atividades econômicas;
- Sudras: casta inferior constituídas por servos, braçais e escravos que realizavam as atividades de manutenção da sociedade.
Os intocáveis, os Dalits, eram os párias, renegados, que não pertenciam a nenhuma classe social. Eram considerados indignos e a eles cabiam as tarefas desprezadas pelas castas.
Esse sistema, banido pela Constituição da Índia de 1950, ainda é hoje praticado por razões culturais e religiosas e influencia o atual estado político/sócio/econômico do País.
O Império Mauria, de 300 a 200 aC, foi o primeiro império a unificar toda a Índia. Com a sua decadência iniciam-se as rotas de comercialização (200 aC a 200 dC) ligando-a a Europa pelos continentes. Estes foram os primórdios das Grandes Navegações entre o Oriente e Ocidente. Desenvolvidas na Idade Média, com a chegada da Idade Moderna possibilitaram os Grandes Descobrimentos incluindo o das Américas.
Como importante entreposto comercial a Índia esteve sob o domínio português de 1512 a 1603.
Foi incorporada pela Companhia Britânica das Índias Orientais no século XVIII (1756/1857) e a partir do século XIX (1857/1947) a Coroa Britânica dissolve a Companhia e assume o governo direto da Índia.
Luta pela Independência ou contra a ocupação inglesa
A existência de etnias, religiões e culturas diferentes produziram uma nação complexa e de difícil administração.
Podemos dizer que a história recente da Índia tem seu início com os primeiros movimentos pela sua independência organizados em Bengala e com o recém-criado Partido do Congresso Nacional Indiano (1885) de maioria esmagadora hindu a representá-los. Em contraposição foi criada a Liga Muçulmana (1906), que se precavia ante uma liderança do movimento exclusivamente hindu que poderia prejudicá-los na formação do pretenso novo governo. Convém destacar que havia um objetivo comum às duas organizações: a independência da Índia.
A partir da década de 20, com o retorno de Mohandas Karamchand Gandhi à India, o movimento para a independência se intensifica com o apoio do Partido do Congresso. É adotada a luta de não violência e de resistência civil pacífica capitaneada por Mohandas K Gandhi, o Mahatma Gandhi, e secundada por Jawaharlal Nehru.  
Como sabemos, Jawaharlal Nehru vem a ser o pai de Indira Ghandi, sogra de Sônia, personagem principal do “Sári Vermelho”. Filho de um rico advogado e político indiano, Motilal Nehru, Nehru tornou-se um líder da ala esquerdista do Partido do Congresso Nacional Indiano, quando ainda era bastante jovem influenciado por sua formação intelectual em Londres e, principalmente, pela militânica no movimento pela independência liderado pelo carismático Mahatma Gandhi. 
Durante a II Guerra Mundial, 1938 a 1945, a Inglaterra já se encontrava em situação delicada na manutenção de seu Império Indiano. A luta social se tornava intensa e fatalmente desfavorável. Os britânicos, esperando contar com o efetivo militar considerável que a Índia dispunha, acenou com a concordância de sua independência em troca de sua participação na guerra. Em que pese o pensamento contrário da liderança do movimento da desobediência civil, Gandhi e Nehru, a Índia participou com um grande efetivo a favor dos aliados (mais de 2,5 milhões de combatentes).
Os muçulmanos constituíam a minoria de maior representatividade da nação. Um de seus principais líderes, Muhammad Ali Jinnah, lutava pelos direitos das minorias participando das campanhas de Mahatma Gandhi mas deixando clara a sua intenção de constituírem governos autônomos após a independência.
Finalmente a 15 de agosto de 1947 foram concedidas as independências da Índia e do Paquistão passando a fazer parte da Comunidade Britânica. Foi a chamada “partição” da Índia que reflete até hoje no relacionamento entre os dois países.
Jinnah tornou-se o primeiro mandatário do Paquistão e Jawaharlal Nehru foi o primeiro primeiro-ministro da Índia e governou de 1947 a 1964.
Alguns tópicos que marcaram ou ainda marcam a política interna e externa da Índia.
Questão Interna, Episódios de Gujarat
O Governo da República da Índia é laico. 75% da população professa o Induísmo e 15% o Islamismo (seus seguidores são os muçulmanos). O restante se divide entre as outras religiões.
Firmemente influenciadas por lideranças religiosas, cada uma acaba por levar a extremismos a atuação de parcela de seus seguidores. Enquanto o islamismo tem o seu livro sagrado “Al Corão”, Alah o seu único Deus e Maomé o seu profeta, o hinduísmo cultua outras divindades e até a natureza, os valores e as crenças dos diversos povos de sua formação. Este fator, por si só, é motivo suficiente para o desentendimento.
O surgimento do Partido do Povo Indiano (Bharatiya Janata Party), na década de 80, aglutinou a direita hindu e projetou o seu líder político Narendra Modi no cenário nacional. O confronto étnico/religioso ocorrido em 2002 no Estado de Gujarat, fartamente contado no Sári Vermelho, justifica a tensão existente na região. Modi era o governador do Estado e teria se omitido nada fazendo para evitar os massacres.
Questão Bangladesh
O Paquistão era um País descontínuo, dividido em duas partes. Paquistão Ocidental e Paquistão Oriental. Professam a mesma religião islâmica mas tem cultura, economia e até o aspecto físico diferentes.
O Paquistão Oriental, fruto da “partição”, sempre se identificou com o vizinho estado de Bengala da República da Índia. Formavam uma mesma “Nação Bengali” apesar de predominarem religiões distintas em cada região, hinduísmo e islamismo.
Em 1971, após rebeliões na parte oriental na busca de sua independência, o Paquistão Ocidental declarou guerra ao Oriental que contava com a simpatia e apoio da Índia. Pela fronteira entre a Índia e o Paquistão Oriental milhões de paquistaneses buscaram abrigo. A Primeira Ministra à época, Indira Gandhi, decidiu pela guerra contra o Paquistão Ocidental dando pleno apoio ao vizinho em dificuldades. A Índia saiu vencedora e o Paquistão Oriental ganhou sua independência passando a se chamar República Popular de Bangladesh. Neste episódio enquanto os EUA apoiaram politicamente o Paquistão a URSS se posicionou favorável à Índia.

Questao da Caxemira
Por motivações semelhantes à Questão de Bangladesh, a Índia e o Paquistão diversas vezes disputaram o controle da Caxemira. Mais uma vez o fator preponderante foi o religioso. É claro que não podemos desprezar o aspecto geopolítico daquela área. Desde o final do processo de independência, a Índia, de maioria hindu e Paquistão, de maioria muçulmana disputaram a região que é de maioria muçulmana.
Para a Índia a Caxemira a ela pertence pelo acordo feito pelo Marajá Hari Singh, o Primeiro-ministro  Jawaharlal Nehru e o Vice-rei Lord Mountbatten, segundo o qual o antigo Principado de Jammu e a Caxemira tornavam-se partes integrantes da União da Índia através do instrumento de adesão. Também alega que a religião não é um fator importante na governança política de um país laico. Dá como exemplo a sua própria administração composta por membros de diversas religiões: católica, muçulmana, sikh e hindu. A família Nehru é oriunda da Caxemira.
Para o Paquistão a Caxemira deve fazer parte de seu País por que: a maioria de seus habitantes é muçulmana; o Marajá Singh não era um líder popular (era considerado como um tirano pela maioria dos caxemires); a insurreição popular demonstra que o povo da Caxemira não quer mais permanecer como parte da Índia.
À época o mundo vivia a dicotomia da Guerra Fria instituída no pós-guerra.
A Índia, de governo centro-esquerda, contava com a simpatia da União Soviética. Do outro lado os Estados Unidos tinham no Paquistão um aliado importante na área. Para as duas grandes potências o controle da Caxemira representava muito mais. Representava uma fronteira estratégica com a China.
.Até hoje a Questão da Caxemira não está resolvida. A Índia detém 47% de sua área, Paquistão 37% e a China 20%. Um detalhe importante: essas nações são potências nucleares!
A Política Externa da Índia em relação aos Estados Unidos foi sempre cautelosa não só por causa da Questão da Caxemira e Bangladesh, mas também pelo posicionamento do Partido do Congresso em diversas ocasiões.
Em 2008 a Índia e os Estados Unidos assinaram um Pacto Nuclear com o objetivo de ampliar a cooperação no desenvolvimento da tecnologia nuclear e aumentar os esforços pela não proliferação de armas nucleares.
A Índia de hoje
Provável oitavo PIB mundial em 2014 (Brasil estaria em quinto) a Índia teve, a partir de 1991, uma das maiores taxas de crescimento do mundo a despeito de suas numerosas dificuldades internas.
Como acompanhamos na leitura do Sári Vermelho, muitos foram os esforços para levar o País ao desenvolvimento. Foram felizes em priorizar o emprego da tecnologia e no preparo de quadros, mas as dificuldades advindas de sua formação multiétnica e arraigada presença religiosa criam uma barreira quase que intransponível à quebra dos paradigmas necessários à implantação de uma política econômica moderna.
A taxa de analfabetismo beira os 25%. A favelização cresce. A distribuição de renda é desigual. O culto religioso exacerbado produz conflitos sociais intensos.
Já vimos o Sistemas de Castas anteriormente. A consequência inevitável é a perpetuação do poder principalmente quando se trata de regiões longínquas, atrasadas e dominadas por uma cultura praticamente tribal. Assim, os representantes na dita democracia se perpetuam dando continuidade aos interesses da classe dominante.
Vimos isso claramente no livro. Até mesmo no interior da casa da família Nehru-Gandhi a cultura de castas é preservada em nome da política e, bem sabemos, o Sistema de Castas foi banido pela Constituição da Índia em 1950.
Também vimos que a corrupção se manifesta de diversas maneiras. Foram constantes as acusações da oposição como também é inegável o sistema patrimonialista da utilização do governo no atendimento aos interesses políticos e eleitoreiros. Exemplo maior é o de Sanjay. A cegueira de Indira diante da atuação de seu filho é algo impressionante.
Episódios de intolerância ainda são comuns na Índia de hoje. A imprensa internacional tem destacado atos de chacinas, estupros coletivos e outras violências praticadas. A Revista Veja desta semana traz mais uma destas notícias.
Apesar de todas estas mazelas a Índia caminha firmemente na direção do desenvolvimento.
Participa com o Brasil, Rússia, China e África do Sul do grupo BRICS, organismo internacional de fomento para o desenvolvimento destes países. No próximo mês, em Fortaleza, os chefes de estado estarão reunidos para mais um encontro em busca de soluções para a redução da pobreza em seus países.
Situação Política Atual
Nas eleições gerais do mês passado sagrou-se vencedor nas urnas o Partido do Povo Indiano (Partido Nacionalista Hindu ou Bharatiya Janata Party) conquistando a maioria das cadeiras do Congresso.
Vejam a recente notícia veiculada pela imprensa:
“Eleições na Índia dão vitória avassaladora a nacionalistas”
“A coalizão oposicionista NDA conquistou maioria no Parlamento, abrindo o caminho para a indicação do hindu Narendra Modi como primeiro-ministro. Conhecido como religioso linha dura, ele promete sanar a economia do país.”
“Os resultados iniciais das apurações das eleições parlamentares na Índia indicam, nesta sexta-feira (16/05), a vitória histórica do partido nacionalista hindu Bharatiya Janata Party (BJP). O líder da sigla oposicionista, Narendra Modi, deverá ser o novo primeiro-ministro do país, encerrando a longa dominância da dinastia Gandhi no poder.”
Nahendra Modi, já nomeado Primeiro Ministro, é aquele político que governou o Estado de Gujarat em 2002 quando aconteceu o massacre de muçulmanos. Governou por três mandatos esse próspero Estado.
“O BJP está à frente em 277 das 537 zonas eleitorais apuradas, de acordo com a comissão eleitoral. Assim, já ultrapassou sozinho a maioria necessária a um partido ou coalizão para constituir governo, que é de 272 dos 543 assentos do Parlamento. O partido do Congresso Nacional Indiano (INC, na sigla em inglês), que ainda governa o país, foi massacrado nas urnas, só obtendo 46 postos parlamentares.”
“Segundo a emissora indiana NDTV, a Aliança Democrática Nacional (NDA), formada pelo BJP e parceiros, teria conquistado um total de 340 assentos, contra apenas 58 para a Aliança Progressista Unida (UPA), a coalizão governista secular encabeçada pelo INC.”
O Governo anterior não tinha a maioria absoluta. Governou em coalizão com outros partidos menores.
“O líder e fundador do BJP, L.K. Advani, considerou o resultado das eleições um veredicto contra a dinastia Gandhi, que há anos lidera o INC. A campanha da aliança governista foi liderada pelo vice-presidente do partido, Rahul Gandhi, de 43 anos, e sua mãe, Sonia Gandhi.”
Durante toda a história da Índia independente, 67 anos, a dinastia Nerhu-Gandhi esteve fora do poder por tão somente 11 anos. Esse último governo foi iniciado em 2004.
 “O governo da UPA vinha enfrentando sérias críticas por não conseguir impulsionar a combalida economia nacional nem deter a inflação. Além disso, sua credibilidade estava abalada por escândalos de corrupção.
O resultado das eleições parlamentares é visto como um aval ao carismático, porém controverso, Narendra Modi. Ele promete reavivar a economia, criar novos empregos e trazer investimentos ao país, que apresenta o índice de crescimento mais baixo dos últimos dez anos. Devido a seu passado de linha dura religiosa ele é visto com desconfiança pelos 150 milhões de muçulmanos do país.”
Conclusões:
O Sistemas de Castas, teoricamente banido, foi perpetuado pela cultura indiana. A busca de uma melhor distribuição de rendas e menor desigualdade social é prejudicada pela dificuldade de haver a mobilidade social. É um óbice ao desenvolvimento que se potencializa quando adicionamos o fator religioso.
Devoção religiosa exacerbada, bolsões de pobreza e manipulação política quando juntas, podem tornar a situação explosiva. Este é um receio permanente em algumas áreas da Índia e seus vizinhos.
Não podemos esquecer que do outro lado do Paquistão se encontra o Afeganistão, país que abriga organizações extremistas conduzidas por fanáticos religiosos (santuário de terroristas?).
Mesmo com estes óbices a Índia é o segundo país do BRICS de maior crescimento do PIB e busca intensivamente a melhoria do seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
O recente resultado das eleições na Índia está sendo acompanhado com interesse pela comunidade internacional tendo em vista os desdobramentos possíveis.
O encontro do Primeiro-ministro Narendra Modi na sua posse com lideranças paquistanesas (nunca havida nos 67 anos da “partição”) e de Bangladesh trazem esperanças para o fim do legado de desconfiança mútua que reina na região.
As reformas estruturais tão almejadas, inclusive a política, ainda não foram realizadas. Isto poderia ajudar a mitigar os enormes desequilíbrios regionais existentes.
Sobre Javier Moro: autor da biografia não autorizada de Sônia Gandhi, enfrentou, ou ainda enfrenta, os processos contra a publicação do Sári Vermelho. O livro não teria até hoje a autorização para sua circulação na Índia.
Uma amenidade: noticia publicada na Internet divulgou que Sonia Gandhi, rica, bonita e poderosa estaria de caso novo. Não diz com quem...
Sobre vocês: “Livros e Raquetes”.
Tenho lido alguns dos livros recomendados por vocês entre outros “A Confissão da Leoa”, “Desonra”, “O Arroz de Palma” e “O Banqueiro dos Pobres”. É sempre marcante a presença da mulher, vítima ou estrela. Partilho a preocupação de vocês com o ocorre ainda hoje no mundo. Felizmente os acontecimentos estão sendo amplamente divulgados e têm tido a reprovação geral.
Minha admiração pelo “Livros e Raquetes”, pela feliz escolha dos livros e pelo papel que as mulheres desempenham em nossas vidas!
Mário




4 comentários:

  1. Em nosso debate de O SÁRI VERMELHO, do autor Javier Moro, Teresa e Luciano Lírio falaram de um conceito psicanalítico que nos ajuda a entender os conflitos raciais, religiosos e de casta presentes no livro. Aqui está o que Teresa resumiu para nós.
    “Vera, como prometido, segue o desenvolvimento do conceito de “narcisismo das pequenas diferenças”.

    Freud introduziu o conceito de narcisismo, valendo-se do mito grego de Narciso, para falar de um destino do investimento libidinal, no qual o próprio ego torna-se o objeto. (Lembrando que Narciso é aquele que se apaixona por sua imagem, e morre de inanição, pois tudo o mais, inclusive a sua sobrevivência, passa a não importar, tamanha a paixão... Isso alude ao empobrecimento que resulta quando há o predomínio do aspecto narcísico.).
    Narcisismo também se refere a uma fase do desenvolvimento humano, quando o outro ainda não existe como um ser diferenciado, e sim como uma extensão do sujeito, para atender as suas necessidades e desejos. A alteridade, o reconhecimento dos limites, a diferenciação de um outro com vida própria e, portanto, com diferenças é um processo que implica a superação narcísica e o desenvolvimento da capacidade de investimento amoroso no outro, o estabelecimento de laços afetivos e a convivência com o diferente.
    Mas o narcisismo é uma fase necessária, pois ele propicia a coesão, a integridade, a constituição do EU. Precisamos ter tido as nossas necessidades narcísicas atendidas, precisamos ter sido o centro das atenções, sido tudo para um outro... Freud se refere a “sua majestade o bebê”, para exemplificar essa vivência plena, que faz parte da história de todos nós, e nos deixa nostálgicos, buscando reencontrar isso de alguma maneira... Enfim, precisamos viver isso para termos a segurança e a coragem de amar um outro. Quando ficamos feridos e decepcionados no amor, nos recolhemos e nos fechamos, daí temos o narcisismo também como uma defesa diante da dor.
    Freud utilizou-se desse conceito complexo na esfera do psiquismo individual para aplicá-lo à psicologia dos grupos e pensar os movimentos culturais. Criou o termo “narcisismo de pequenas diferenças” para falar das intolerâncias étnicas, raciais, religiosas. É o ódio ao semelhante, a intolerância com o que está mais perto de nós e que ameaça a nossa identidade enquanto grupo. É quando achamos que tudo de bom está conosco e tudo de ruim com o outro. Ele fala também de como esse ódio ao estranho termina por unificar e tornar mais coeso o grupo dos iguais. Assim, buscar agressores fora serve para unir os grupos, e os líderes políticos terminam por tirar partido disso, incitando a violência com os de fora para terem mais controle e domínio do seu grupo. Aliás, vimos isso retratado com clareza no livro O SARI VERMELHO.


    Freud com a palavra:
    (O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO (1930 [1929]), Vol. XXI, da Standard Edition, tradução inglesa de James Strachey ):

    “…Evidentemente, não é fácil aos homens abandonar a satisfação dessa inclinação para a agressão. Sem ela, eles não se sentem confortáveis. A vantagem que um grupo cultural, comparativamente pequeno, oferece, concedendo a esse instinto um escoadouro sob a forma de hostilidade contra intrusos, não é nada desprezível. É sempre possível unir um considerável número de pessoas no amor, enquanto sobrarem outras pessoas para receberem as manifestações de sua agressividade. Em outra ocasião, examinei o fenômeno no qual são precisamente comunidades com territórios adjacentes, e mutuamente relacionadas também sob outros aspectos, que se empenham em rixas constantes, ridicularizando-se umas às outras, como os espanhóis e os portugueses por exemplo, os alemães do Norte e os alemães do Sul, os ingleses e os escoceses, e assim por diante. Dei a esse fenômeno o nome de ‘narcisismo das pequenas diferenças’, denominação que não ajuda muito a explicá-lo. Agora podemos ver que se trata de uma satisfação conveniente e relativamente inócua da inclinação para a agressão, através da qual a coesão entre os membros da comunidade é tornada mais fácil… “”

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